Costurar é um diálogo delicado entre as mãos e a máquina, a agulha, as linhas e os tecidos, inclusive quando as mãos seguem o caminho errado e se picam na agulha. É uma actividade que tem uma certa “musicalidade”, facilitando por isso a “dança” dos pensamentos que vão e vêm como uma aragem suave, depois fogem, regressam e voltam a fugir….até à próxima vez!
Nessa agradável agitação, existe uma imagem-pensamento que sempre me aparece e que encaro como uma saudação quando me dedico a essa actividade: a imagem da minha mãe a costurar. Era uma tarefa que ela fazia amiúde, pois elaborava muita da roupa da família, utilizando para isso uma máquina de costura Singer, a pedal, que bem cedo ensinou as filhas a usar.
A primeira memória que guardo dessa actividade remonta aos 4 ou 5 anos de idade. Recordo estar em frente da referida máquina a cozer num papel, mas sem a linha enfiada na agulha. Acompanha-me desses tempos o som daquela “engrenagem” que me parecia complicadíssima, mas também a voz da minha mãe a dizer constantemente para ter muito cuidado e não aproximar os dedos da agulha. Daquele exercício resultavam linhas e linhas de picotado desordenado que, no final, permitiam rasgar o papel em muitos bocadinhos de formatos diferentes, o que era muito engraçado. Mais tarde, já com a linha enfiada na máquina e obviamente com muita ajuda, as bonecas ganharam algumas peças de roupa.
O tempo foi passando, não sentindo qualquer apelo pela costura durante a adolescência e a juventude, o que apenas veio a suceder mais tarde, já em adulta. Não tendo máquina, cheguei a fazer uma peça de roupa cozida à mão o que foi um desafio superado à minha paciência. Porém, para que a epopeia não se repetisse, um familiar emprestou-me uma máquina de costura antiga, em ferro, daquelas que se moviam à custa de força braçal. Um pesadelo em todos os sentidos, não só por ser extremamente pesada, mas porque precisava de alguém que desse à manivela para eu ter as mãos livres para trabalhar.
Esta aventura foi efémera, porque rapidamente decidi comprar a minha primeira máquina de costura. Por questões afectivas foi obviamente uma Singer, que possuía um corpo igual ao da máquina da minha mãe, mas o pedal fora substituído por um motor eléctrico. Transportava-se num saco, era bastante pesada e foi usada por um longo período.
Há alguns anos comecei a alimentar a ideia de possuir um modelo mais recente, fácil de transportar e, principalmente, apetrechada com ziguezague, um ponto muito útil na fase de acabamentos. E assim aconteceu. Mantive-me obviamente fiel à marca, mas esta é uma máquina leve, versátil, com alguns pontos básicos para além do ziguezague e…será certamente uma companheira para o resto da vida!
Herdamos genes, gestos, gostos, modos de estar, princípios, etc. Da minha mãe herdei um pouco de tudo isso, com muito orgulho. Porém, a actividade que mais rapidamente me leva à sua imagem e ao seu tempo é, sem dúvida, a costura. Porque esse legado é importante, teve direito a este post!
Você relatou detalhes tão marcantes deste tempo que eu não pude evitar as lembranças que me vieram do tempo que eu brincava muito de pedalar nesta mesma máquina Singer. Abs
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Eu não referi esse aspecto…mas também gostava de dar ao pedal só pela brincadeira. Acho que todas as crianças gostavam desse “brinquedo” dos adultos!
Agradeço muito a presença e o comentário!
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Dulce, eu tinha na época uns sete anos. Lembrei de minha mãe, e o que você relatou me emocionou, porque me relembrou minha infância. Obrigado.
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Não sei o que hoje as crianças levam como memória dos seus pais ou avós para quando no futuro, daqui a uns 50 ou 60 anos, escreverem sobre um objecto que os faça recordar e que lhes tenha tocado particularmente.
Mas ao invocares a máquina de costura também me trouxeste saborosas recordações da minha mãe e avó à volta desse mecanismo “estranho” que também povoou a minha infância.
Eu estava autorizado a fazer os carinhos de linhas, como mostra o vídeo (numa máquina muito parecida com a da minha avó), e a enfiar a linha na agulha, o resto era com elas…
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Esta versão de encher carrinhos de linhas não conhecia! Na Singer era diferente. E o facto de gostares de o fazer, provavelmente já era a tua vertente de engenheiro a vir ao de cima!!!
Sabes que ainda hoje gosto de encher o carrinho de linhas… e gosto de o ver bem acelerado!
Obrigada por ires aparecendo!
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Costurar não é mesmo comigo…mas as minhas memórias da tua primeira máquina Singer também não serão esquecidas 🙂
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Sabes…costurar é uma espécie de “cultura geral” das mãos!!! É sempre útil saber…
E certamente que ainda te lembras da antiga e pesada Singer!
Bj e obrigada pelo comentário.
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.e identifiquei muito neste post, minha mãe teve duas maquinas de costuras. Massa
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A máquina de costura quase fazia parte do “enxoval” da geração das nossas mães. Depois ficou um pouco esquecida e agora, com as crises económicas, está novamente a ser mais procurada e usada. Repete-se o ciclo!
Agradeço o comentário!
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Exato! do mesmo modo os carros de peixes, laranjas, frutas e ovos.
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