No primeiro dia de Fevereiro de 1905, faz hoje 112 anos, nasceu a minha avó materna. Deram-lhe o nome de Adelina.
Poderia dizer mil coisas sobre ela, sobre a sua vida ou sobre a relação que tivemos, mas por respeito, sinto que devo manter isso na esfera privada.
Contudo, alguns anos antes de falecer, contou-me um episódio da sua infância, uma história sobre o seu sentir, muito simples, mas reveladora da ingenuidade e da forma de estar de uma criança que vivia num monte algarvio no início do século XX.
Agarrei nele e fiz este poema que hoje partilho e ao qual dei o nome de Misterioso sol.
Estou certa que a minha avó, que também escrevia poesia, não se importaria de ver a sua vivência escrita desta forma pela neta. E para mim, é uma pequena homenagem a alguém que muito admirava.
Nasceu a sul este poema.
E viveu no imaginar
de uma criança de outro tempo,
que perto da sua casa
gostava de se sentar,
de sonhar com o mar que não conhecia,
de ver o horizonte
e o céu azul,
ou o sol a nascer
e o dia a desaparecer.
A casa
onde morava
olhava os montes,
suaves e ondulantes,
que encantavam
a menina
naquele lugar onde vivia.
Ao lado da porta
havia uma pedra,
a sua pedra,
o lugar onde se sentava
para descansar,
olhar
muito pensar
tudo imaginar
e sempre divagar…
…sobre o sol…
…que mistério o levaria
a num lado se esconder
e no outro a aparecer?
Por onde andaria
nesse tempo de escuridão
até de novo ser dia
e o voltarmos a rever?
Cansada de tanto pensar
e na esperança
de entender,
teve um dia uma lembrança
e a certeza,
de finalmente descobrir
aquele grande mistério
que sempre via acontecer.
Então,
acreditou profundamente
que depois do anoitecer,
o sol percorria
devagar
e escondidinho
para ninguém o ver,
aquele longo caminho
monte após monte,
até ao lugar
de novamente aparecer.
E aí,
ele voltava a espreitar,
o dia a brilhar
e o tempo a aquecer!
(Dulce Delgado, Fevereiro 2017)