primeiro ano

 

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Faz hoje precisamente um ano que publiquei o primeiro post neste espaço, facto que me merece alguma atenção.

Discretamente tenho tentado “alimentá-lo” de forma variada, de acordo com o que observo, penso e sinto, mas não só, porque ao estar inserida numa sociedade em constante transformação e pródiga em acontecimentos, de uma forma ou de outra alguns detalhes do mundo acabam por estar presentes.

Mais importante do que o número de seguidores ou de posts publicados, de visualizações, número de likes ou de comentários partilhados, é o que ele tem significado para mim, tendo em conta a forma como então justifiquei a sua criação. Nessa altura escrevi …”Talvez porque os anos estão a passar tão rápido quanto os dias, senti necessidade de estruturar o que me caracteriza. Não tenho planos a cumprir...”

É essa palavra “estruturar” que sintetiza o que se passou neste último ano, porque encaro agora este espaço como o meio que me faltava para dar forma e organizar o que estava latente mas não conseguia “agarrar” coerentemente. Ele está a permiti-lo, porque me “obrigou” a objectivar aqueles pensamentos que surgiam e que no momento seguinte se perdiam, a materializar a imaginação que me constrói ou, ainda, a partilhar algumas das emoções que sinto ou lugares a que a curiosidade me leva. Hoje, há textos, poemas, desenhos ou fotografias que não vão para a gaveta e naturalmente são partilhados. E isso tem sido muito bom!

Reaprendi a estar mais atenta, atitude que ficara parcialmente esquecida com o passar dos anos e das rotinas a que somos obrigados e que sempre criam raízes em nós. Tenho hoje a sensação que aquele “olhar” interior e exterior que a todos alimenta, não apenas é mais abrangente como está mais focado e é melhor aproveitado.

Este período permitiu-me ainda organizar os dias de uma forma mais racional porque, apesar das solicitações serem semelhantes, o tempo necessário para publicar 174 posts apareceu…não sei bem como! Obviamente que muitas horas de sono não foram cumpridas, mas sinto que conquistei muito tempo à vida.

Por último, proporcionou-me uma gratificante viagem pela blogosfera, ao facilitar o acesso a páginas de áreas e conteúdos muito variados, algumas literáriamente excelentes. Estou certa que todas serão fruto do empenhamento de pessoas que, como eu e dando o seu melhor, encontraram uma forma de se expressar e de partilha.

Estou grata a todos aqueles que, de uma forma mais ou menos activa e através do blog ou fora dele, me têm incentivado ao longo deste ultimo ano. Será por mim e por eles, que espero continuar. Assim  a vida o permita.

 

 

 

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liberdade e insensibilidade

 

A Cadeia do Aljube, o Forte de Peniche ou as sedes em Lisboa, no Porto e em Coimbra da antiga polícia política PIDE-DGS, foram lugares de ausência de liberdade, de resistência, de violência física e psicológica, de tortura, sofrimento e morte.

Com a revolução ocorrida em 25 de Abril de 1974, faz hoje precisamente 43 anos, conquistamos uma democracia que permitiu a liberdade de acção, de informação e de expressão, e ainda a liquidação dessa repressiva polícia política. Os locais onde ela actuou tornaram-se espaços de difíceis memórias para os que lá estiveram e conseguiram resistir, e quase esquecidos para os que nunca neles entraram.

Entretanto passaram mais de quatro décadas.

Na sede do Porto foi instalado um Museu Militar;
A Cadeia do Aljube em Lisboa foi reconvertida em Museu do Aljube/Resistência e Liberdade;
E o Forte de Peniche, sabe-se agora que será adaptado para espaço museológico sobre a história da Resistência, ficando outra parte afecta a actividades relacionadas com o mar.

Porém…

… na sede de Coimbra funciona desde 2015 um hostel
… e na de Lisboa, a principal dessa macabra polícia, um condomínio de luxo

Talvez seja demasiada ingenuidade da minha parte pensar que a história e a memória deveriam ter mais força do que o lucro; ou que a actual “febre” de instalar hotéis e condomínios deveria ter algum prurido e rejeitar ambientes que acumularam tanta energia negativa e de sofrimento. Penso que isso seria básico e humano. Mas não foi.

Tenho muita dificuldade em entender isso. Em compreender como poderá alguém iniciar um negócio ou escolher viver num edifício onde pessoas foram torturadas e mortas durante anos e anos. No fundo, agir como se nada ali tivesse acontecido.

Sim, eu sei que isto é um ínfimo detalhe, nada mais do que isso. E talvez muito pouco para assinalar este dia tão importante para a história de Portugal e para a liberdade então conquistada. Mas, apesar de terem passado 43 anos, simbolicamente ele tem significado.

Porque revela falta de memória, de respeito e uma profunda insensibilidade.

 

 

pascoinhas

 

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Hoje, uma semana depois da Páscoa, comemora-se o domingo de Pascoela.

Este último termo, de sonoridade bem mais suave e fluída que a palavra Páscoa, para os cristãos é uma espécie de prolongamento dessa data. Eu diria que é o último olhar desta época festiva antes da despedida…

Sempre que oiço esse termo, de imediato associo três palavras, cujo som encaixa perfeitamente: Páscoa, Pascoela e…Pascoinhas!

As Pascoinhas, cujo nome científico é Coronilla glauca, são uns arbustos que apreciam as zonas litorais do centro do país, especialmente os solos mais calcários. Mas aparecem noutros locais, pois são adaptáveis a qualquer recanto que as queira receber. Produzem coloridas flores amarelas e o seu nome advém do facto de atingirem o auge da floração na altura da Páscoa.

Porque são bonitas, alegres e formam belos arbustos, creio que relembrar as Pascoinhas, é uma colorida forma de nos despedirmos da Páscoa… e da Pascoela!

 

A fotografia acima foi obtida na Serra da Arrábida, perto do Convento com o mesmo nome.

 

 

a nespereira

 

Tenho o privilégio de trabalhar diariamente numa sala com muita luz natural, luminosidade que entra por uma grande janela de onde se desfruta uma razoável vista sobre Lisboa. Para um lado, o olhar pousa na belíssima ponte 25 de Abril e no seu inseparável companheiro Cristo-Rei e, no lado oposto, sobre as cúpulas de alguns edifícios da Baixa da cidade. Mas permite igualmente um olhar mais humanizado, uma vez que esta janela se enquadra nas traseiras de alguns edifícios de habitação.

Naquela “ilha” vive a intimidade de um pedaço da cidade, por vezes nua, por vezes crua, mas muitas vezes doce e soalheira. Há trinta e seis anos que acompanho o tempo a passar por ali, seja nos apartamentos que se foram renovando, seja nos edifícios que perderam a corrida do tempo a favor da degradação e das ervas daninhas, seja no envelhecimento natural dos seus habitantes ou, ainda, através da renovação de gerações, reveladas ao nosso olhar pelo minúsculo vestuário que de vez em quando aparece nos estendais.

E o tempo passou também por uma árvore de fruto, por uma nespereira, a razão de ser deste post. Vimo-la crescer, mas julgo que com os anos se tornou meio selvagem, uma vez que grande parte da copa está sobre telhados de difícil acesso. Talvez por isso, a maioria dos seus frutos secam e morrem na árvore.

Apesar de aparentemente abandonada, estou certa que é uma nespereira feliz, pois está enorme, apanha muito sol, produz imensos frutos e cumpre com rigor o seu ciclo anual de vida. Quando se inicia a Primavera algumas nêsperas já estão amarelas e maduras, começando a servir de alimento a várias espécies de aves que, em divertidas acrobacias, as saboreiam em vários momentos do dia.

Delicia-me assistir a este processo que se repete ano a ano. Por isso, num dia desta Primavera decidi tirar algumas fotografias através do vidro da referida janela, uma vez que todas as tentativas de a abrir resultaram em voos para parte incerta.

Em pouco tempo vi um periquito-de-colar…

 

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…e toutinegras-de-barrete jovens e adultas, cuja diferenciação reside, respectivamente, na mancha castanha ou preta que possuem na cabeça.

 

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Este adulto era um belíssimo cantor!

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Fotografei ainda um pardal…

 

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….e uma rola!

 

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Em momentos não registados em imagens, vi igualmente melros de bico amarelo, pombos e outros pássaros que não identifiquei. Mas estas fotografias permitem ter uma pequena ideia da actividade que se gera em torno daquela árvore de fruto nesta altura do ano. Estou certa que, para além da cor que empresta a este recanto escondido, esta solitária nespereira é um parceiro importante no ciclo de vida das aves que habitam esta área da cidade.

O futuro levará seguramente à repetição deste ciclo. E se a vida o permitir, serei espectadora e cúmplice por mais alguns anos.

Há rotinas que sabem bem!

 

 

 

mãos…

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… que unem e separam
afagam e agridem
oram,
são fé e devoção
gratidão
calor
paixão
e quanta sensação!

São pele
que procura pele,
gestos
que acompanham palavras,
amor
que protege e embala,
e acção
pura acção,
que tudo materializa
e dá vida à invenção.

Uma mão,
talvez a nossa…
…pode ser a paz
doce
e eficaz,
que outra mão precisa
e juntas,
ser prazer e união!

 

(Dulce Delgado, Abril 2017)

 

Imagem retirada de http://lifestyle.sapo.pt/moda-e-beleza/corpo-e-estetica/artigos/maos-como-novas

 

revisitar

 

Voltar a certos lugares anos depois, sempre permite descobrir algo de novo. Para além da natural transformação física que neles ocorre, nós também estamos diferentes, acompanhando o nosso olhar essa evolução. E se esse lugar é no meio da natureza, basta que a estação do ano, a hora do dia ou as condições atmosféricas sejam distintas, para tudo parecer diferente e quase novo.

Andar “por aí”, termo que gosto de usar e a que associo um certo espírito de aventura e exploração, é sempre um prazer acrescentado, apesar da vida e da logística não permitirem fazê-lo tão amiúde quanto gostaria. E quando essas explorações são partilhadas com alguém que tem um olhar diferente do nosso e está atento a outros pormenores, esses momentos sabem ainda melhor e deixam-nos reciprocamente mais ricos.

Foi nesse espírito que, alguns anos depois, voltamos à zona da ribeira de Murches e ao Parque urbano das Penhas do Marmeleiro, no concelho de Cascais, distrito de Lisboa.

 

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A bonita envolvência revelou surpresas…

…começando pela pior, porque gosto sempre de terminar com a parte positiva, foi com tristeza que encontramos o passadiço em madeira que personaliza esse espaço com vários troços destruídos, quer por incêndio quer por evidente vandalismo/desleixo.

Há perto de um ano referi esse equipamento num post intitulado Passadiços, mas actualmente uma grande parte dele está intransitável, ou apenas ultrapassável se o espírito de aventura e alguma agilidade física ainda superarem o receio de uma queda.

Preferi não inserir aqui a fotografia do estado em que se encontra e envia-la para a Câmara Municipal de Cascais, lamentando a situação e esperando que a mensagem que envolve essa imagem possa contribuir para uma futura resolução do problema.

Ultrapassada esta visão, seguimos ao longo das margens da Ribeira de Vinhas, para montante. E nesse trajecto o olhar foi encontrando pequenas preciosidades que gostaria de partilhar.

 

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Não faltou a presença de um rebanho de ovelhas e cabras, cujos guizos acompanhavam o chilrear dos pássaros e davam uma sonoridade lindissima e bucólica a todo o ambiente.

 

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Rapidamente esquecemos a visão negativa dos passadiços destruídos, porque a envolvência era tão calma e bonita, e a luz filtrada pelo céu azul tão transparente, que aquele mesmo trajecto já percorrido há alguns anos, foi uma revelação.

Neste caso, a grande diferença estará no facto de, aquando da primeira incursão, estarmos em pleno Verão e agora no início da Primavera. Então predominava a secura e a falta de água da ribeira, o que não aconteceu agora, em que a água e o verde eram presença em cada recanto.

Tudo muda, a natureza muda e nós mudamos. O importante é não cristalizar nas ideias já feitas, nas opiniões definitivas ou nas imagens já vistas, e permitir sempre uma certa abertura para acolher a mudança, seja através de um pensamento, de uma sensação ou de um novo olhar oferecido pelo mundo.

Seja ele mais ou menos bom.

 

 

 

nunca…

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..será seguramente uma das palavras mais difíceis do nosso vocabulário. Diria mesmo que, tal como a sua antónima sempre, ela é uma das mais “falsas”. Mas como sabemos, os opostos têm frequentemente pontos de contacto.

Hoje, o objectivo é “desmascarar” o termo nunca, porque ele pode ser “falso” quando…

… o aliamos a emoções ou a sentimentos. O tempo ajudará a demonstrá-lo e a desmenti-lo;

… ele se agarra às palavras que proferimos. Mais tarde ou mais cedo serão outras palavras que o poderão contradizer;

 … o associamos a acções que negamos ou recusamos fazer. A necessidade ou uma emergência leva-nos muitas vezes a agir contrariamente;

 … o usamos contra novas sensações. Porque no futuro, outra situação ou  circunstância, poderão levar-nos a aceitar novas experimentações.

O termo nunca é, pois, excessivo e extremado. Podemos usa-lo olhando para o passado, mas não o devemos fazer olhando para o futuro. É muito provável que nos enganemos. Porém, ele é totalmente verdadeiro numa única situação: quando se refere aos termos “futuro/tempo/vida”, porque…

          …nunca sabemos o que pode acontecer no momento seguinte

          …nunca sabemos o dia de amanhã

          …nunca sabemos o que a vida tem ainda para nos dar!

Como podem ser ambíguas as palavras que utilizamos!

violeta parra

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Ultimamente tem sido divulgado um espectáculo de entrada gratuita, que se irá realizar no próximo dia 8 de Abril no teatro Capitólio em Lisboa, em homenagem a Violeta Parra pelo centenário do seu nascimento.
Conhecia um dos seus temas mais populares, como é Gracias a la vida, mas relativamente pouco do seu percurso. A curiosidade levou-me a procurar um pouco mais e não resisti a escrever este post

…Violeta del Carmen Parra Sandoval (1917-1967) foi compositora, cantora, artista plástica e activista política, sendo considerada a fundadora da música popular chilena, gosto que herdou dos pais. Bem cedo começou a tocar e a compor, optando logo na juventude por se dedicar à vida artística.

Teve uma vida emocional algo complexa, com três casamentos e vários filhos, alguns que se dedicaram também à música, cantando com eles durante um certo período da sua vida. Foi igualmente a grande precursora da música de intervenção, produzindo letras revolucionárias que incidiam maioritariamente na injustiça social e nas condições de vida dos pobres.

Na sua curta mas intensa vida, em que intercalaram os momentos bons e os muito difíceis, como o da morte de uma filha, foi sempre uma mulher de grande energia e força, lutadora pelos direitos dos mais desfavorecidos, mas também irreverente e que sabia o que queria.

No final dos anos 50, num período em que esteve doente e mais inactiva devido a uma hepatite, explora as artes visuais, dedicando-se a criar as arpilleras, curiosas tapeçarias bordadas que, mais tarde, foram associadas à resistência das mulheres chilenas no período da ditadura do General Pinochet. Através da figuração que nelas inseriam, iam transmitindo o que estavam a viver e a sentir enquanto os maridos estavam presos. Mas foram igualmente uma forma de sobrevivência material.

As arpilleras, assim como a pintura, o papier maché ou as esculturas em arame, foram as técnicas artísticas que Violeta Parra escolheu para expor, juntamente com as letras e canções que escrevia, tudo o que sentia, os princípios em que acreditava e pelos quais lutou toda a vida.

Estranhamente, suicidou-se aos 49 anos, não muito tempo depois de ter composto Gracias a la vida, o que de certa forma é um pouco paradoxal. Mas, a separação dramática do seu terceiro companheiro e ainda um projecto que não terá corrido bem, poderão ter contribuído para tão drástica decisão.

Pelo facto de ter deixado um grande legado, em Novembro de 2014 foi criada a Fundação Museu Violeta Parra, a fim de preservar e difundir a obra desta mulher que teve um papel tão importante na sociedade chilena.

Não poderia terminar este post sem a sua  belíssima voz. Escolhi dois temas já compostos na década de sessenta, Gracias a la vida e Run run se fue pa’l norte, criados sob emoções bastante opostas. O primeiro surgiu na sequência do grande amor que sentiu pelo seu último companheiro, o antropólogo e músico suiço Gilbert Favre; e o segundo, depois de ele a ter deixado, separação que teve fortes repercussões na sua vida.

Foi uma mulher de força e de paixões. Mas foram também essas atitudes que a levaram ao suicídio.

Foto retirada de http://www.nosgustaelvino.cl/museo-violetaparra/?age-verified=50f5b1d0a0