Na minha infância e juventude, o dia em que ocorria o Festival da Eurovisão da Canção era um dia especial porque, naquela época, era um evento que se destacava talvez pela ausência de outros. Ainda recordo a maioria das canções que nos anos 60/70 representaram Portugal nesse festival, melodias que eu sempre achava especiais e que na minha perspectiva, mereciam sempre ganhar. Mas isso nunca aconteceu e em cada ano a frustração sentida transformava-se em esperança no ano seguinte.
Entretanto…a vida tomou outros rumos e interesses, e apenas muito pontualmente voltei a dar alguma atenção a esse evento. E quando o fazia era apenas para ver o nosso representante cantar, o que, diga-se na verdade, muito raramente me agradava. O festival cansava-me, porque tudo parecia igual, confuso, muito barulhento e com demasiados estímulos associados. Sem espaço para respirar. Por isso, se me perguntarem quem representou o nosso país nos últimos anos… sinceramente, não sei! Talvez seja triste, mas é a verdade.
Porém, depois de muitas décadas, ontem sentei-me no sofá a ver uma boa parte desse festival e, obviamente, também a nossa belíssima canção. E senti um pouco aquela sensação da infância, de achar que as nossa canção era muito bonita e que merecia ganhar. Naturalmente recuei no tempo, no entusiasmo e na esperança.
Esperança que começou a ser alimentada ao comparar a simplicidade da composição e da interpretação resultante da parceria dos irmãos Luísa e Salvador Sobral, com a confusão e o artificialismo dos restantes temas e performances a concurso. E especialmente, aquando dos primeiro doze pontos que recebemos logo no início da votação. E os doze seguintes e ainda os outros todos!
No final, Portugal ganhou! Fiquei tão contente! E que sensação estranha, porque inesperadamente se cumpriu aquele desejo de infância que tinha ficado latente, quase adormecido. Estou certa que muitos portugueses terão sentido algo de semelhante, pelo menos aqueles que nasceram entre os anos cinquenta e sessenta do século passado e que, tal como eu, viviam com grande sentimento este evento.
Cantada de uma forma muito peculiar e genuína, a canção fala de amor. Simplesmente de amor. E será a forma como este sentimento foi partilhado que convenceu as emoções de milhões de pessoas, os que percebem e os que não percebem de música. Como eu, que encaro esta arte de uma forma muito emocional, com o coração e nada por conhecimento teórico.
Estou quase certa que esta canção marcará um ponto de viragem na qualidade deste evento. Deu para perceber de uma forma muito clara o que as pessoas querem e desejam. Talvez a partir daqui prevaleça o que marca a diferença pela qualidade e não pela quantidade de estímulos, pela confusão e aparato tecnológico e visual.
Mais uma vez podemos ser pioneiros neste mundo. Povo de um pequeno país, mas cheio de força e de garra. Que gosta de descobrir novos caminhos e mostrar novos horizontes como aconteceu à cinco séculos atrás, seja agora, quiçá, no campo da música de uma Europa que perdeu a sua personalidade, pelo menos neste tipo de eventos.
Gosto de alimentar esta ideia, mesmo que daqui a uns anos chegue à conclusão que me enganei e desista novamente de me sentar no sofá. Mas enquanto há vida há esperança, e esperança é algo que nunca me falta.
Por fim… é muito bom perceber que hoje todo o país está feliz com uma canção que fala de amor!