poema ao novo tempo

 

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Quero um poema
puro
simples
e humano,
para receber o Novo Ano.

Quero-o límpido
diáfano
de luz,
doce de sentir
e fácil de espalhar,
com o meu
o teu
e o nosso olhar.

E com ele sermos faróis
fontes de luz
e de paz,
capazes de iluminar
as névoas que sempre
pairam
neste imenso habitar.

Não,
não é utopia,
apenas um desejo
semente
a receber um novo tempo,
para cultivar com amor
regar
e cuidar em cada dia!

 

Que 2018 revele o que profundamente desejam para vós e para o mundo!

 

 

(Dulce Delgado… no último dia de Dezembro de 2017!)

 

 

 

 

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o professor

 

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Quando somos jovens, é comum encontrarmos pessoas que nos mostram perspectivas para as quais não estamos ainda preparados. Mas os seus valores tocam-nos, ficam alojados no nosso sentir e, com o passar do tempo e de um natural amadurecimento da nossa mente e sensibilidade, lentamente eles vão germinando e sendo percepcionados de forma diferente. Começamos então a perceber a importância de determinados ensinamentos, daquele olhar que insistentemente nos foi mostrado ou da crítica por vezes dura que nos foi direccionada. E a sentir que tudo isso poderá ter um papel importante no nosso percurso pela vida.

Se estivesse vivo, o artista, escultor e professor de várias gerações Lagoa Henriques (1923-2009) faria hoje 94 anos. Na foto acima, captada em 1981, eu teria 23 anos e o professor estaria perto dos sessenta, curiosamente onde eu hoje me situo.
No primeiro curso de conservação e restauro ocorrido em Portugal e iniciado nesse mesmo ano, o professor deu-nos aulas práticas de desenho, centradas em objectos ou modelo vivo. Nessa época, a minha noção de desenho estava muito associada ao “perfeitinho e bem acabado”, muito diferente da espontaneidade do desenho-emoção que o professor constantemente nos tentava incutir, insistindo que entre o olhar e o papel, deveria estar o sentir. Sem ele, seria uma cópia sem expressão.

Diria que o seu objectivo foi o ensinar-nos a olhar e a entender a essência da mensagem/imagem, o que ele fazia de diversas formas. Além disso, incentivava todos os seus alunos a registar o que viam, a fazer diários gráficos, a treinar a mão e sempre, sempre o olhar.

Entretanto…ainda antes do final do curso tive a minha filha e um pouco mais tarde o meu filho, tendo o meu tempo e o meu olhar muito com que se entreter. Porém, com o passar dos anos, percebi que algo continuava a fervilhar dentro de mim, não me bastando a ideia de “ter algum jeito para desenho”. Era um sentir que teria que enfrentar e explorar pois, apenas dessa forma poderia eventualmente dar o tal salto que separa o perfeito do espontâneo, o falso do genuíno, o ver do verdadeiro olhar, aspectos para os quais o professor me tinha alertado e sensibilizado.

Seguindo esse profundo sentir, decidi então iniciar registos em diários gráficos e fazer muitas experimentações. Parti a medo, com aquele medo com que se enfrenta um lugar desconhecido, em que sabemos ir encontrar desafios e sentir muita frustração. Mas que será o único com possibilidade de nos levar a determinado lugar.

Apenas posso dizer que os períodos de empenhamento e alegria têm alternado com a desmotivação, que encontrei muitas vezes a frustração a par do momento gratificante, que ultrapassei alguns medos e que a mão está um pouco mais solta e o olhar mais treinado. Porém, é especialmente a confiança que tem muito para amadurecer. Ainda.

Sei que será um trabalho para a vida, pelo que me imagino uma velhinha a fazer uns rabiscos tremidos. Contudo, tenho a certeza que se o dia desta foto fosse hoje, as críticas e as dicas seriam algo diferentes. E perceber isso, já é para mim uma vitória.

Quando olho para trás, vejo o mestre Lagoa Henriques como o professor que mais me marcou e mais sementes deixou na minha sensibilidade, na medida em que me ensinou a olhar, a relacionar e a sentir emoção com a estética desse olhar. E esse é um ensinamento que tenta estar presente em todos os momentos da minha vida e do meu dia-a-dia. Hoje mais do que nunca.

Apesar de ausente deste espaço-tempo, estou certa que ele continua a estar presente na vida de muitos dos alunos que ensinou. E onde quer que esteja… talvez continue a partilhar a sua enorme sensibilidade.

 


Autor de muitas esculturas espalhadas pelos quatro cantos do mundo, o escultor Lagoa Henriques tem no centro de Lisboa uma das suas obras mais conhecidas: a representação do poeta Fernando Pessoa sentado na esplanada do café A Brasileira, em pleno Chiado, obra constantemente requisitada para uma fotografia por muitos dos turistas que visitam a capital portuguesa.

 

Capturar lh

http://www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento/info/fernando-pessoa

 

 

feliz natal!

 

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Esta bola de Natal que me ofereceram recentemente é curiosa, pois a ideia que lhe está subjacente é muito interessante e estimula a imaginação.

Sendo uma esfera transparente que se abre ao meio, tudo permite colocar no seu interior, dependendo apenas da criatividade de cada um. É suficientemente versátil para guardar objectos decorativos associados a esta época, mas igualmente doçuras, pequenos brinquedos, fragmentos da natureza, etc, etc.

Contudo, no momento de a pendurar na árvore, optei por nela guardar algo invisível, transparente e luminoso. Não é uma ideia…nem um sonho em espera…mas apenas um desejo simples e adequado a estes dias do ano:

…que seja uma época vivida em paz, com saúde, ternura, verdade, tolerância e solidariedade;

…que a esperança e a atitude sejam mantidas, apesar das dificuldades da vida;

…que cultivemos com empenho aquele desejo de sermos um pouco melhores porque, se todos o tentarmos, será um passo positivo no nosso caminho individual…

…e talvez melhoremos a energia desta esfera gigante e por vezes tão pouco transparente que habitamos!

 

Um doce e Feliz Natal para todos os meus leitores!

 

 

 

 

outono vai, inverno vem

 

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Será exactamente às 16 horas e 28 minutos de hoje, o dia mais curto do ano, que faremos a despedida do Outono.
Ele vai de viagem, talvez agarrado às folhas secas que ele próprio ajudou a se despedirem das árvores. E com elas voará até ambos se desvanecerem no tempo.

Nesse mesmo instante, o Inverno tomará o seu lugar. Em Portugal virá soalheiro, fresco e com fraca personalidade, o que é pena. Mas precisamos de acreditar que será uma timidez inicial, que em poucos dias se habituará ao novo lugar e mostrará os seus dotes, porque necessitamos dele com garra, bem invernoso e especialmente com muita chuva. E frio também, se isso contribuir para que se sinta mais feliz. A natureza ficaria profundamente grata…e nós ficaríamos profundamente gratos à natureza.

Por isso, que seja um verdadeiro Inverno!

E em nós, que seja um profícuo tempo de introspecção!

Já para os meus leitores do hemisfério sul, que se revele um excelente Verão!

 

 

ontem…hoje…amanhã

 

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Na humanidade, sempre houve e haverá migrações voluntárias em busca de melhores condições de vida; já as migrações forçadas continuam a acontecer porque a intolerância é uma realidade e, para sobreviver, alguns povos fogem e deixam tudo para trás. Um dos casos mais recentes é o do povo Rohingya, em fuga de uma Birmânia que os considera apátridas e não os aceita, o que se revela como um dramático exemplo de falta de solidariedade humana.

Apesar da solidariedade e do respeito existirem sob diversas formas, não são suficientemente fortes para evitar o aparecimento da intolerância e do extremismo quando estão em causa opções religiosas, realidade que leva uma parte da humanidade ao maior absurdo: fazer da religião uma fonte de conflito. Embora a Essência seja semelhante, são muitos os que se agarram a nomes e conceitos, valorizando a forma de olhar em detrimento do Essencial, da Luz, do Divino, do que lhe queiramos chamar. E, em nome desse olhar são capazes de acusar, impor, negar ajuda, perseguir, expulsar, torturar, violar ou matar.

Pensando no dia de hoje, neste “dia-ponte” que nasceu aconchegado entre aquele que nos relembrou o fenómeno das migrações (18 de Dezembro), e o de amanhã, que alertará para a importância de ser solidário (20 de Dezembro)…

…um dia que, naturalmente, nos coloca entre duas realidades que se interligam…

…que bom seria se na humanidade nascesse também um “espírito-ponte” com o dom de harmonizar e de fomentar a paz ou, simplesmente, de ser um “fiel de balança” capaz de equilibrar conceitos, espalhar a tolerância e de construir pontes entre pessoas, princípios e pensamentos. Respeitando todos, não obstante a fé e as opções de cada um.

 

E assim, neste íntimo viver dos dias e do calendário, permite-me a imaginação um verdadeiro espírito natalício!

 

 

 

Imagem retirada de  https://news.sky.com/story/pimp-says-rohingya-plight-good-for-business-11124977

 

 

presépio de emoções

 

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Regressou o presépio à luz do dia, numa espécie de ritual anual de preservação de memórias. As diferenças surgidas durante a sua montagem estarão certamente associadas a questões estéticas, porque a carga emocional presente renova-se em cada ano nos dias 1 ou 8 de Dezembro. Porém, muito mais do que o significado religioso de um presépio, na minha vida ele é essencialmente um recordar de pessoas e momentos…

…com ele regressa a minha avó materna através das figuras de barro que ofereceu há cinquenta e muitos anos;

…regressa a minha mãe da sua viagem pelo tempo sem tempo, para me recordar a  genuína aptidão que tinha para presépio, construções que sempre fazia com musgo, montes, cavernas e um lago. O meu, é apenas uma versão muitíssimo simplificada dos seus!

…voltam os meus filhos-crianças, quando se divertiam a complementá-lo com bonecos que colocavam no meio das figuras tradicionais. Hoje, ainda mantenho uma ovelha em plástico dessa época;

…e regressamos nós, eu e o meu companheiro, a um dia de gestos que se repetem com alegria há mais de vinte anos….

Primeiro, fazendo um passeio matinal à Serra de Sintra em busca de musgo, incursão este ano envolta em frio, chuviscos e num denso manto de nevoeiro que deu uma magia especial ao momento; depois, passando a tarde a erigi-lo, começando por construir um monte e uma gruta que permita proteger aquele eterno recém-nascido do frio ou a encontrar a localização adequada para cada figura…porque as ovelhas , por exemplo, não se podem perder do seu pastor, e seria um triste Natal para o anjo se desse uma queda e partisse uma asa ou uma perna! Também a estrela, já meio desfeita, continua ano a ano a emanar uns ténues raios de luz sólida que orientam os Reis Magos…

Por fim, uma vela …

…a luz que ilumina e aquece aquele lugar, que aquece o nosso olhar e todas estas memórias e, principalmente, que agradece mais um ano de vida e de saúde concedido a esta família!

 

 

vento norte

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Sopra forte
o vento norte.

Força o vidro
assobia na fresta
e esperançoso,
espera.

A janela
sente a corrente,
mas mostra-se indiferente…

Que pena,
pensa o vento,
é tão bela e transparente!

Que pena,
pensa a janela,
que bom seria ser vela
enfunar
e loucamente viajar
ao sabor deste vento!

 

(Dulce Delgado, Dezembro 2017)

 

 

 

voltando ao cinema…

 

 

Lucky é o primeiro filme realizado por John Carroll Lynch e o último representado por Harry Dean Stanton, actor que faleceu com 91 anos no passado mês de Setembro, antes desta película ser estreada.

Algures numa América desconhecida e ao ritmo da idade e das rotinas que caracterizam o último tempo da vida, este bonito filme mostra o processo de consciencialização e preparação de um idoso para o fim que se aproxima. Curiosamente, entre a ficção e a realidade estava um actor, que entretanto morreu, talvez sorrindo com aquele sorriso revelador e sábio com que terminou este filme.

Poderia escrever muito mais, mas não o vou fazer. Vou deixar aqui as palavras do crítico de cinema Luís Miguel Oliveira, publicadas no Cinecartaz do jornal Público porque, no geral, me identifico bastante com a sua análise.

Num período do ano em que os cinemas funcionam para as “massas”, este filme é uma pequena pérola que se visualiza tranquilamente em salas quase vazias. Só por isso, merece toda a atenção e divulgação.

 

 

 

the only living boy in new york…

 

 

A frase que dá título a este post foi um dos temas do álbum Bridge over troubled water editado em 1970 pela dupla Simon and Garfunkel. Mas The only living boy in New York é também o título do último filme realizado por Marc Webb, agora em exibição nos cinemas.

Conta uma história simples, com princípio, meio e um inesperado fim, como convém a uma boa história. Fala de gente maioritariamente honesta e genuína, e fala de amor, de vários tipos de amor, seja do que se sente e mostra, do que flui no sangue e não se mostra, daquele que se dá porque mais não se pode dar, do amor vivido à distância, ou ainda do que ficou para trás e aí continua… à espera. Fala de amor, de amizade e de afectos.

É uma história-surpresa desempenhada por um grupo de actores jovens e menos jovens, como Callum Turner ou Jeff Bridges, que se desenrola ao som de numa excelente banda sonora. Pelo encadeamento, dinâmica das cenas e tipo de diálogos, pontualmente fez-me lembrar as películas de Woody Allen.

Diria que é um  filme “sem nada de especial”, mas que proporciona um momento agradável e nos faz sentir bem. Simplesmente isso.

Sendo essa uma boa sensação, deixo a sugestão!