Há dias que nascem para pôr à prova a nossa capacidade de acreditar. São uma espécie de “teste” à nossa estrutura emocional, uma vez que facilmente nos levam a por em causa ideais que fomos construindo ao longo da vida. No fundo, eles desacreditam o nosso acreditar e quase neutralizam a esperança que está na sua base.
Posto isto…
…perante as imagens a que temos assistido diariamente nas televisões sobre a guerra em curso no enclave sírio de Ghouta, região onde a vida humana deixou de ter qualquer valor para os interesses aí instalados e, pior ainda, onde as soluções para um cessar fogo emitidas pela maior organização mundial de nações (ONU), não tem qualquer efeito no terreno e é totalmente desrespeitada;
… perante a crueldade humana que decide executar por injecção letal um condenado à morte portador de uma doença terminal, acto que não foi consumado depois de várias tentativas falhadas de encontrar uma veia capaz de receber o cateter, o que o deixou com várias feridas e uma condenação à morte adiada….
Que podemos sentir? Em que podemos acreditar?
Estas duas realidades, que representam apenas uma amostra do que se passa pelo mundo, acontecem agora, em pleno séc. XXI. O primeiro caso num país que está há sete anos em guerra, quase destruído e com um povo que é massacrado todos os dias; a segunda situação ocorreu no estado do Alabama, nos EUA, país na vanguarda do desenvolvimento tecnológico, mas um dos que mais viola os direitos humanos, inclusivamente aplicando a pena de morte.
Não, eu não quero perder a fé na humanidade, mas a desumanidade que entra pelos nossos olhos é tanta, que abanamos como uma árvore perante um vento forte. Eu não quero generalizar este desencanto, nem sequer o medir, porque no meio desta frieza sei que ainda há calor humano, solidariedade e a capacidade de tantos em ajudar outros, minimizando situações extremas que vão ocorrendo.
Nestes dias não há poesia nem poemas, não há céu azul, ideias ou imaginação. Não há acreditar. Há imagens, reais como a que inseri no início deste post ou construídas a partir de palavras lidas, que se colam de tal forma à nossa mente que não deixam espaço para mais nada. Por vezes, até nos levam a pôr em causa o caminho que seguimos, pela “futilidade” que representa perante as realidades deste mundo.
Um dos meus lemas principais de vida é “tudo passa”. Porque a vida é dinâmica, não estagna e algo diferente virá a seguir, seja melhor ou pior. E nós adapta-mo-nos constantemente a essa mudança e a novos sentires. No presente, “a minha árvore” está triste e a abanar, mas preciso de acreditar que tudo vai passar e que as suas raízes são suficientemente profundas para a segurar.
Imagem retirada de
https://www.washingtonpost.com/world/middle_east/violence-rages-unabated-in-ghouta-as-syria-defies-un-ceasefire-resolution/2018/02/25/9a4fc244-1a51-11e8-98f5-ceecfa8741b6_story.html?utm_term=.66036eb939c2
de alguma maneira nossos posts se encontram. foi em função do desprezo pela vida humana, algo que testemunhei, que escrevi. e você faz um belo e consciente e sensível texto. mas, parece que mesmo que que nós possamos acreditar, a cada dia tudo parece piorar. mas, haveremos de vencer. muito obrigado, Dulce. o meu abraço.
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Por muito positivos que sejamos, há momentos e dias em que tudo se junta para derrubar esse acreditar nas pessoas, na humanidade e numa vida com justiça e valores.
Quanto ao “..haveremos de vencer”…quero acreditar que sim..mas hoje está difícil! Talvez amanhã…
Depois verei o seu post. Muito obrigada pelas palavras.
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É muito difícil escrever sobre imagens de destruição total, é muito difícil perceber estes tempos em que, apesar de toda as tecnologias e ciências, de religiões e filosofias, o homem ainda não se resolveu na sua relação com o outro.
De facto, como bem dizes, há dias em que não existe poesia nem poemas, não subsistem acordes ou harmonias, não perduram palavras e discursos, há apenas uma realidade dura endereçada através de “[…] imagens, reais como a que inseri no início deste post ou construídas a partir de palavras lidas, que se colam de tal forma à nossa mente que não deixam espaço para mais nada.”
Esta tua última frase traz-me à memória o livro de Susan Sontag “Olhando o Sofrimento dos Outros” (Gótica: 2003), no qual a autora reflecte sobre o impacto da fotografia de atrocidades de guerra.
Nesse seu livro, último publicado em vida, refere em relação à imagem fotográfica: “As fotografias lancinantes não perdem inevitavelmente a sua capacidade de chocar. Mas não são de grande ajuda quando o que se pretende é compreender. As narrativas podem fazer-nos compreender. As fotografias fazem outra coisa: perseguem-nos” (Sontag, 2003: 96)
É talvez nessa perseguição insistente da imagem fotográfica que resida o seu poder alquímico de transformação, “[…] as fotografias são uma espécie de alquimia, por mais que sejam consideradas um relato transparente da realidade.”, (p.87), refere Sontag, não deixando ainda assim de, no final do livro, colocar as seguintes questões: “Haverá algum antídoto para a eterna sedução da guerra? […] Será que alguém poderia ser mobilizado por uma imagem (ou um conjunto de imagens) para se opor activamente à guerra?” (p. 128)
O teu papel está feito ao publicares esta imagem, o resto será com ela própria e com a viagem que fará ao interior de quem a encontrar.
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Isto de ter um especialista em fotografia a comentar um post é uma mais-valia! É muito interessante esta tua análise ao impacto de uma imagem fotográfica sobre o nosso olhar e emoções. Este tipo de imagem persegue-nos, instala-se e, de certa forma, “corroí” o nosso interior, devagarinho, dando lugar a novos sentires, dúvidas, reacções, etc.
Agradeço imenso a tua colaboração na forma tão completa como complementaste o post e, já agora… também a Susan Sontag…algures viajando no éter!
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Isso me faz pensar duas coisas.
1. Governos não são como adminsitradores contratados para gerir uma empresa. São mais como senhores de engenho…
2. Organizações como a ONU, infelizmente, tem muito menos poder de intervir do que imaginamos…, quando quem, de fato e de facto, manda no mundo, decide que ela não pode realmente intervir.
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Honestamente, por vezes não sei bem o que são certos governos! Quando tudo vale, inclusive a desumanidade e a crueldade para que não percam privilégios nem poder…podemos dizer que são empresário…e mercenários…com muito engenho!
Sobre a ONU…é verdade que a sua capacidade é muito relativa. E isso revolta, porque
a ideia, o princípio que a rege é bom. Mas, como em quase tudo, há sempre o outro lado…com os interesses a virem ao de cima… os negócios…etc.
Por vezes apetece tanto “desligar” o mundo que temos!
Obrigada por comentar!
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I agree… 😦
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Que mundo é esse que estamos vivendo? Tanto conhecimento e tecnologia pra que? Minha indignação é tanta que me causa desassossego na fundo da alma. Quando isso vai terminar? Porque? Pra que?… Dúvidas mil que não tenho encontrado nenhuma resposta que me aquiete! Desligar, tentar não ver ajuda por pouco tempo. Tento fazer algo de bom para os outros, dentro da minhas possibilidades limitadas… É muita crueldade desnecessárias onde os inocentes sofrem demais. Bela reflexão seu texto me provocou. Abs
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Eu penso que esta sua frase “Tento fazer algo de bom para os outros, dentro da minhas possibilidades limitadas…” será neste momento e neste mundo, é o que poderemos realmente fazer. Actuar no nosso microcosmo, sermos o bem, a paz e elos de ligação. Porque realmente não podemos mudar como gostaríamos os “loucos” deste mundo nem os interesses que os movem.
Eu acredito que a verdadeira mudança começa dentro de cada um e nas nossas pequenas acções.
Grata pelo comentário e reflexão.
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