emoções criativas

Reencontrar o passado, seja nos recantos da memória, nos meandros do coração ou em palavras escritas é sempre um confronto com o tempo. E impreterivelmente leva-nos a comparações com o presente na tentativa de perceber se estagnamos, retrocedemos, evoluímos ou até sublimamos o que nos incomodava.

O poema que partilho no final deste texto terá uns quinze ou vinte anos, não sei precisar, mas o estado de alma que revela foi demasiado constante até ao momento em que discretamente decidi iniciar este blog em Abril de 2016. Ele reflecte bem o meu sentir, assim como a intranquilidade criativa que me habitou anos e anos seguidos de forma mais ou menos dolorosa e para a qual não conseguia encontrar um caminho que me desse algum equilíbrio.

Hoje sei que a solução foi partilhar. Sei que a solução é partilhar o que nasce de nós, seja um poema, um texto, um desenho, uma fotografia ou outro qualquer detalhe genuíno da nossa personalidade/sensibilidade/criatividade. Sei ainda que, como autora, este poema continua a ser meu….mas hoje esta “dor” não é minha. Definitivamente. Ela foi naturalmente sublimada a partir do momento em que senti que o caminho a fazer não era guardar ou apenas partilhar pontualmente o que fazia, mas sim o deixar ir.

É certo que levei 58 anos a perceber isso. Mas sinto-me feliz por ter ultrapassado essa fase. Em tudo na vida, mais vale tarde do que nunca.

O mais curioso é que para muitos este seria simplesmente um não-problema comparativamente com tantos outros que a vida nos oferece. Para além de verem a criatividade apenas como algo que dará prazer, não entendem que possa simultaneamente ser dor, desconforto e ansiedade. Mas pode.

Diria que, perante uma fonte que jorra é importante e necessário saber apanhar, dosear e dar utilidade à água que sai. Caso contrário, é desperdício, incómodo e muita energia perdida.

Fazendo jus ao final do poema diria que “encontrei uma resposta…e deixei o pássaro entrar no meu coração”!

Porquê esta necessidade e esta angustia?
Porquê esta ferida sempre aberta?
Porquê esta pulsão que não me deixa?
Porquê esta dor que a nada leva?

Como é vaga a resposta
que não encontro e que me persegue!

Fugir-lhe não consigo…

…porque é ar, pele, pensamento, necessidade
e vazio….um sentir …

…um sentir que me acompanha
como a sombra de um pássaro que voa sem corpo,
hoje aqui,
tão perto que me oprime…
amanhã além,
mais longe e menos presente,
mas nunca, nunca ausente!

Porque não vai
e me deixa ter paz?
Que significa a sua presença?
Porque não me mostra o caminho
ou a verdade da sua existência?

Raros foram os momentos
que me envolveu numa doce inspiração,
efémeros hiatos de alegria
harmonia
paz,
e de tranquila emoção!

Valerão eles por tanta inquietação?
Encontrarei algures uma resposta…

…ou entrará o pássaro no meu coração?

(Lembrando a “dor e a alegria” da Criatividade, neste seu Dia Mundial)
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21 thoughts on “emoções criativas

    1. É a partir do “atrito” que os avanços são maiores e muitas vezes surgem as decisões/soluções. E assim vamos crescendo e aprendendo!
      Sobre este dia…e muitos outros….o almanaque Borda D’água é uma fonte de deliciosas informações!
      Muito obrigada.

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  1. Dulce, como é bela esta expressão.
    E concordo consigo, devemos expressar, escrever, criar, manifestar, libertar… tudo o que temos cá dentro, seja de que forma for, todas elas são validas.
    Muitas dores e ansiedades da vida é fruto de condicionamento de sentimentos, sejam eles alegres ou de dor. Porque quando estamos felizes é bem mais fácil expressar do que quando estamos tristes, e isso, é um erro que cometemos. Percebi isso no decorrer dos 3 anos passados (foi algo muito recente e novo para mim).

    Só tenho a agradecer-lhe esta partilha, que muito de nós se poderão identificar a dada altura da nossa vida, essas questões presentes a cada passo e dia que vivemos. Esse pássaro que nos acompanha, temos que lhe dar uma forma, um propósito, um corpo.

    Um beijinho grande. E fico muito feliz por a acompanhar aqui, no discretamente e no seu precioso olhar fotográfico, no insta. Feliz dia da Criatividade.

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    1. Penso que a Irina de certa forma complementou o post com as suas palavras e sentir. Afinal a vertente criativa também vive desse lado e sabe como por vezes todo este o processo não é fácil.
      Partilhando vamos aprendendo e crescendo, não é?
      Muito obrigada e que a adaptação a Braga esteja a fluir com a maior tranquilidade possível.
      Beijinho.

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  2. Adorei seu poema. Entendo perfeitamente o que sentiu. Eu ando resgatando minhas memórias de vida… Trabalho longo e intenso que estou começando a desbravar.
    Doces lembranças… reflexões mil. Obrigada por partilhar. Abraços

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    1. É sempre agradável saber que aquilo que partilhamos foi entendido e apreciado. Por isso, obrigada pelas suas palavras.
      E já agora, tendo em conta que hoje é sexta-feira, desejo um fim-de-semana a gosto!

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  3. Your fountain metaphor is great and I think I understand most of what you’re saying in this sweet poem (even when it’s only a translation). Sharing our work makes such a huge difference, doesn’t it? And the platform of blogging, where you can instantly share work with people all over the world, is a gift. I like the way you use this gift! 😉

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  4. Dulce você conhece uma música chamada TRADUZIR-SE?
    é de um poema do Ferreira Gullar, e aqui no Brasil alguns cantores a tocaram:

    Ela foi durante muito tempo meu hino, hoje em dia apenas a aprecio, mas durante muitos anos eu vivi as voltas como na canção.
    Tem tudo haver com o seu poema, acho que você pode gostar.
    E essa versão da Nara Leão com o Fagner é minha favorita.
    Que bom que você começou a compartilhar seus escritos, o bonito da internet são esses encontros ao acaso. Que nos levam a verdadeiras amizades quando estamos disponíveis.
    Grata por sua presença no meu blog.

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    1. Não conhecia esse tema, mas já procurei no You Tube e gostei muito da versão tranquila da Adriana Calcanhotto. É sem duvida um belo poema sobre essa dualidade que nos habita, formas de expressão e equilíbrio que se procura.
      Agradeço a partilha, a sugestão e também por passar por este meu discreto recanto.

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