acasos…

Há acontecimentos que nos levam a pensar se os chamados “acasos”… serão realmente acasos. Questiono-me sobre isso, especialmente quando sucedem na dinâmica do dia-a-dia e se concentram num certo período de tempo. Passo a citar…

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Horas depois de ter publicado o post intitulado Variação em dois temas, onde relaciono o “Dia das canalizações” com o “Dia do Rim”, um cano de minha casa entupiu, algo que já não acontecia há muitos anos.

Entre a surpresa, a irritação e o decidirmos como resolver a situação, tentei analisar a coincidência e, com um certo humor avancei para mim própria com três justificações: ou é o sistema de drenagem da minha casa a agradecer a atenção dada no referido post….ou é o duende que habita em nossas casas a fazer uma brincadeira de mau gosto….ou então é a “vida” a me dizer simplesmente: “Maria Dulce, tu tens muita conversa e ideias, escreves sobre temas que não lembram a ninguém e hoje até falaste da atenção que as canalizações merecem. Mas, a verdade é que já há muitíssimo tempo que vocês não fazem qualquer manutenção a fim de impedir entupimentos. Portanto, vejam isto como uma lição”.

Não vos vou dizer qual destas hipóteses ganhou maior percentagem de votos na minha mente. Mas, seja ela qual for e depois de resolvida a questão no dia seguinte, logo delineamos um plano de manutenção das canalizações de nossa casa, para que tal não volte a suceder.

Outra situação:

A pandemia e este segundo período de confinamento levaram ao encerramento de lojas não essenciais, como é o caso das retrosarias. Para dar continuidade a um trabalho de tricot precisava de uma lã amarela, mas não a podia comprar no local habitual por estar encerrada.

Porém, já no início do desconfinamento, ao passar junto de uma retrosaria a que raramente vou, verifiquei que a porta estava entreaberta. Espreitei, falei com o vendedor, deixando-me este entrar e procurar no pequeno stock que tinha se alguma coisa serviria. Logo percebi que um dos rolos que lá estava se adequava ao que pretendia e tirei-o. Fiquei boquiaberta e sem palavra quando verifiquei que a marca da lã era “Dulce”.

Foi estranho… estranhíssimo. E naquele exacto momento não tive qualquer dúvida que aquele rolo…estava ali à minha espera!

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Nos dias em que ocorreram os episódios acima descritos, outros “acasos” se juntaram ao rol. Diferentes, de outro género, mas que sempre me arrepiam quando acontecem.

Cada um fará a sua leitura deste tipo de situações, sendo que, entre o absurdo e o transcendente o leque será certamente vasto.

Sobretudo, creio que quando estes “acasos” ou “coincidências com sentido” são percepcionados, sempre nos fazem pensar – mesmo que não cheguemos a qualquer conclusão – sobre a Vida e a nossa existência, sobre as forças que nos rodeiam e qual o nosso “papel” no meio de tudo isto.

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experimentações #20

Ainda no âmbito das colagens…

…partilho hoje estes três trabalhos, sendo os dois últimos técnicas mistas uma vez que foram complementados com tinta/pintura.

Em comum têm o círculo, forma que muito aprecio por diversas razões, mas que aqui aparece associada ao planeta que habitamos e à problemática ambiental, algo que já nessa época me preocupava e preenchia alguns dos meus pensamentos.

(Dulce Delgado, papel, aguarela e tinta-da-china sobre papel, 1992/93)

esperança primaveril

Com a Primavera que hoje se iniciou às 9h 37m (a.m.), hora de Portugal, chegam os dias maiores e mais luminosos, uma natureza vestida de cor e, em cada detalhe, muita vida em latência brotando para um novo ciclo.

Todavia, apesar de tudo isso sempre me encantar, associo muito esta Primavera a uma “Esperança de Equilíbrio”…a um tempo-força que nos deixará mais próximo de uma estabilidade que acredito será possível nos próximos meses com o controle da pandemia pela vacinação.

E na sequência disso…

…a possibilidade de retornar, mesmo que lenta e progressivamente aos ritmos e gestos conhecidos

… aos afectos sentidos na pele

…à emoção das palavras e gestos sem máscaras

…à espontaneidade social

…aos passeios que não se fizeram

…às rotinas que deixaram saudades

…etc.

Para os que perderam o emprego, a habitação ou algum familiar/amigo durante a pandemia, ou para os que adoeceram e ainda não recuperaram totalmente, talvez os detalhes acima sejam um pouco secundários. Para eles, o equilíbrio estará em arranjar um novo emprego que lhes assegure o que tinham antes, no restabelecimento da saúde, ou no tempo interior necessário ao luto e à aceitação da perda.

Caberá a cada um perceber o que deverá colocar nos “pratos da balança da sua Vida”, para que a estabilidade se instale e seja real. Se for necessário ir à luta, mas sempre tentando envolver essa procura de esperança e de energias construtivas…

…como a boa energia que a Primavera gratuita e silenciosamente nos oferece todos os anos.

Boa Primavera!

(Que esta “esperança de equilíbrio” seja imensa e se estenda igualmente aos meus leitores do hemisfério sul que hoje abraçam o Outono! ) 

avó… incompleta!

Sou avó pela descendência, pelas emoções e pela imensa ternura sentida….mas sou meia-avó no toque e no gesto.

Entre mim e o meu neto sempre existiu uma máscara a nos separar. Reutilizável ou descartável, não interessa. Uma barreira necessária mas uma barreira fria e desumana que impede aproximações mais sensoriais. Na verdade, ainda mal senti aquele “cheiro a bebé” que inspira mimos mais intensos e próximos… ainda não senti a minha face na sua pele macia…e beijinhos, apenas os pés os têm recebido!

Facilmente imaginamos gestos para um primeiro neto. Este nasceu, amo-o profundamente, mas esse imaginário de sensações cutâneas, de toque, abraços e proximidade em parte foi adiado. Porque uma parte importante dos meus sentidos está obrigatoriamente tapada e os gestos impedidos daquela espontaneidade que é tão natural perante um bebé. A vida é realmente um baú de surpresas!

Doem estes tempos a muita gente e por inúmeras razões como todos sabemos. A mim, incomoda emocionalmente este detalhe – que realmente não passa disso mesmo – e o facto de ainda não ser uma avó de pleno direito e de corpo inteiro. Mas compreendo que deve ser assim. Por enquanto.

Com a expansão da vacinação em Portugal acredito que 2021 me fará finalmente uma “avó completa”….com um ano de atraso! Mas apesar da máscara que nos separa e dos gestos que ainda não foram possíveis…o Vasquinho já conhece a avó Dulce e aprecia a sua companhia.

E, quem sabe, talvez a vida ainda me proporcione o prazer de ser novamente avó e de acompanhar o primeiro ano de um neto…sem ser em tempo de pandemia!

o passeio

Para nós foi um agradável passeio de domingo pela bonita vila de Alenquer; para eles, provavelmente um passeio de todos os dias pelo rio com o mesmo nome que atravessa a povoação.

Gosto da tranquilidade que emana desta imagem, tal como gosto dos contrastes que envolve. Por um lado, por se tratarem de espécies muito diferentes; e por outro, pelo facto de um elemento revelar a pose e a calma de um adulto e o outro, a energia, a curiosidade e o ímpeto característicos da infância.

Creio que se equilibram mutuamente. E isso sempre seduz qualquer olhar!

(Alenquer, Lisboa, 17 Abril 2011)

variação em dois temas…

É raro o dia do ano que não está associado a qualquer comemoração, sendo certo que as homenagens existentes variam entre o compreensível e o estranho, o que por vezes faz nascer em nós um curioso sorriso.

Verifiquei recentemente que no dia 11 de Março de 2021, hoje portanto, se comemorara o Dia Mundial do Rim… e o Dia Mundial da Canalização! Essa constatação levou-me primeiro a uma certa surpresa, seguida da sensação que isso poderia não ser por acaso e logo me questionando se haveria uma razão para se juntarem num mesmo dia.

Pensei um pouco e comecei de imediato a encontrar pontes de ligação…

…ambos implicam a presença de uma infinidade de “tubagens” de calibres diferentes onde circulam líquidos mais ou menos puros;

…o rim, ao funcionar como um filtro purificador do sangue excreta para a bexiga resíduos resultantes do metabolismo celular que não interessam ao organismo, funções que exigem um complexo sistema de canais, veias, artérias, arteríolas, etc,…

…diluídos em água, esses resíduos saem pela uretra para o exterior através da urina…e seguem, juntamente com outras águas residuais pela imensa rede de esgotos e tubagens que se desenvolve nos subterrâneos das nossas cidades, vilas, etc. até chegarem às ETAR’s…

…aqueles locais onde um complexo sistema de milhentas tubagens tratará em várias etapas essas águas até estarem capazes de serem reutilizadas na rega ou em lavagens de ruas. Outra parte, já livre de poluentes chegará ao mar e perder-se-á na sua imensidão…

…enquanto isto acontece… o ciclo da água prossegue na natureza, através da evaporação….formação de nuvens… e chuvas mais ou menos abundantes… que convergem para os rios e seguem para as barragens. Aí…

…consoante as necessidades das populações, será captada por enormes tubagens, depois purificada…e, por outra teia imensa de canalizações chegará a cidades, vilas, aldeias e lugares… e às nossas torneiras…

…onde, num gesto simples encherá o copo que temos na mão e irá saciar a nossa sede, hidratar o nosso corpo…

…e em nós, irá percorrer aquele imenso e maravilhoso sistema de canais e funções que somos, será absorvida e alimentará todas as células do nosso organismo, e será parte daquele sangue que continuamente, através das artérias renais chega ao rim para ser filtrado e purificado…num ciclo que se repete continuamente.

Ou seja, tudo tem a ver com tudo…e tudo tem por base a água, esse bem precioso que sustenta a vida neste planeta. Nele, para ser possível vivermos em condições mínimas de salubridade circula artificialmente por condutas, canais, tubagens, canos….e, no nosso corpo, será sob a forma de sangue e linfa que circula, utilizando uma intrincada rede de canais.

Desventurados serão – e são muitos ainda – os que não têm as infra estruturas básicas em suas habitações que lhes permita o gesto de abrir uma torneira de água potável ou de ter acesso a uma rede pública de esgotos.…como desventurados serão os milhões de seres humanos que em todo o mundo não têm os seus rins a funcionar saudavelmente e, enquanto aguardam eventuais transplantes, precisam de recorrer duas a três vezes por semana à hemodiálise, onde um intrincado e inventivo sistema de tubos e máquinas substituirá a função dos seus rins.

Mais uma vez, o que é aparentemente banal e dado como adquirido deve ser devidamente valorizado. E não o fazermos apenas quando algo falha, ou seja, quando um cano se rompe em casa, a água falta…ou quando os rins doem ou a sua função está alterada.

Por isso….sim, estes dias comemorativos têm realmente sentido!

a fuga…

Não,
não gosto de sentir
aquela ideia ou pensamento
naturalmente surgidos
e num ápice perdidos
nas névoas da memória
da idade
e do tempo.

Não,
não gosto desta memória
contraditória
que não sabe agarrar
a energia do meu pensar
e que a nega
sem escrúpulos
para depois eu procurar.

E eu,
que não gosto de perder o que é meu,
deambulo paciente
pelos labirintos da mente
buscando uma pista
detalhe ou acção
que me leve
ao que procuro,
e finalmente
agarrar com toda a atenção!

Por vezes consigo…
…muitas não!

(Nestas situações penso: “Pobre memória, não dá para tudo!”
 E sinto-me um pouco melhor…😉)

(Dulce Delgado, Março 2021)

experimentações #19

Continuei pelas colagens durante mais algum tempo, técnica que sempre encarei como uma forma de brincar com o papel e a que poderia associar uma mensagem, ou não.

As três colagens de hoje reflectem esse jogo entre a tesoura e o papel, neste caso com o chamado papel de lustro. Muitos destes recortes foram aleatórios e fui aproveitando inclusivamente os excedentes que iam ficando. Depois era juntá-los ou encaixá-los de uma forma que me agradasse esteticamente.

O resultado foi esta série de três colagens bastante experimentais, que em comum têm as cores …e a diversão que me proporcionaram!

 
(Dulce Delgado, papel de lustro sobre papel, 1993)