
Depois de dois anos e dois meses, ele apanhou-me pela garganta, ignorando basicamente o restante corpo. Como entrou? Não faço a mínima ideia! Mas gosto de pensar que talvez tenha vindo com o vento…
Apenas sei que apareceu sorrateiro com uma matinal rouquidão que deixou o meu sotaque algarvio bastante mais sexy do que o habitual. Depois, ao fim do dia deu umas suaves pancadinhas na minha cabeça, algo que foi o suficiente para me deixar alerta e levar a realizar um autoteste rápido de antigéno ao SARS-CoV-2.
Seguidas as instruções e após uns momentos de dúvida….lá estava uma ténue risquinha a olhar para mim. Que mais poderia fazer senão aceitar a realidade, encarar o “bicho” de frente e iniciar os trâmites obrigatórios? Foi isso que fiz.
O pensamento inicial de que iria ficar horas em espera na linha telefónica SNS 24 revelou-se falso, uma vez que fui surpreendida com um sistema automatizado para utentes com autoteste positivo de uma eficiência que me espantou. Em pouco tempo tinha comigo os códigos necessários para o teste de confirmação em clínica e para acesso à declaração de isolamento. Objectivamente, um ritual que todos se queixam de ser lento e que na passada quarta-feira foi de uma eficiência sem mácula e que me deixou extremamente orgulhosa do nosso Serviço Nacional de Saúde.
No dia seguinte…o “bicho” estava raivoso e mordendo estupidamente a metade esquerda da minha garganta como se fosse o fim do mundo. O acto inconsciente e habitual de engolir a saliva tornou-se um suplício, também porque a dor daí resultante se alongava até ao ouvido, órgão que colaborou silenciosamente na parceria. Sem saber bem o que fazer ou tomar, ainda consegui contactar o meu médico de família que me medicou devidamente.
Foi apenas ao quinto dia que o intruso resolveu dar-se por rendido, depois de uma luta cerrada e desagradável que incluiu algumas noites mal dormidas. Agora, a restante contenda será entre as minhas defesas imunitárias e a sua agonia final.
Deste encontro, resta-me o conforto de saber que, para já, não fui “ponte de passagem/transmissão” para contactos próximos. Ou seja, por aqui parece que “ele” não deixou prole!
Apesar de ter consciência que este é um assunto difícil, seja pelo número de vítimas que a pandemia causou nos últimos dois anos, seja pelas sequelas deixadas em milhões de habitantes deste planeta a todos os níveis, a verdade é que este tema entrou e ficará para sempre nas nossas vidas.
Este vírus aparecerá com variantes diferentes, mais ou menos social, mais ou menos “esfomeado”, mas teremos que viver com ele. Por tudo isso, e pelos resultados comprovados da vacinação que continua a ocorrer, talvez seja altura de começarmos a enfrentar a situação com outra atitude, maior segurança, mais racionalidade e especialmente com menos carga emotiva. E a encarar a sua presença como mais uma experiência associada a este conturbado século XXI.
Sabemos que qualquer “dor” nos pode levar a crescer e a ser mais resistentes. Pessoalmente, e restringindo-me apenas à minha sintomatologia, sei que esta experiência me levará a relativizar qualquer outra dorzinha de garganta que tenha futuramente. É pouco…quase nada…mas é uma pequena aprendizagem!
Amanhã sairei do isolamento e a vida continua. Entretanto “sr. bicho”….espero que não nos encontremos nos próximos tempos pois, apesar de não ter sido nada de grave, realmente não foi um prazer conhecê-lo!