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Dooois? Onde estás?

– Quem me chama?

– Eu, o Seis. Anda aqui!

…?

– Senta-te aqui a meu lado!

O Dois senta-se pouco convicto à direita do Seis. Este último sorri e diz:

– Chegou a tua vez de ficar aqui deste lado. O Um foi ontem embora e tu és o seguinte. Não posso ficar sozinho, preciso de me encostar a ti durante um ano…

– E eu tenho que ficar quietinho?

– Sim. Podes espernear mas não sair…

Sentado mas inseguro, o Dois está surpreso e sente-se estranho. Fica silencioso, reflecte, medita… e momentos depois mais consciente da situação diz:

– Ok, se chegou a altura de eu ficar um ano a teu lado e ambos um ano na vida da Dulce, então devemos cumprir o melhor possível essa missão. Já estivemos juntos há muito tempo, quando eu estava no outro lado… éramos mais novos….e tínhamos todos outra energia. Agora, com um pouco mais de experiência tudo devemos fazer para tornar os próximos 365 dias de vida da nossa amiga saudáveis, criativos, afectivos, atentos, de partilha e tranquilos, apesar de se vislumbrar um ano de fortes emoções já que será avó pela primeira vez e está muito feliz com isso. Temos que tentar que tudo corra bem!

– Vamos a isso, diz o Seis! Sejamos então uns simpáticos Sessenta e Dois!

 
Discretamente e com muito carinho, agradeço a intenção do 6 e do 2…dos 62…e desejo com esperança, emoção e do fundo do coração que tais palavras se concretizem e sejam uma realidade!

 

 

(Dulce Delgado, 7 Maio 2020)

 

 

 

 

 

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uma páscoa diferente

 

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Este ano de 2020, em tudo incomum, será para muitos de nós o primeiro em que estes dias festivos serão passados sem a presença da família. No meu caso seremos apenas dois, eu e o meu companheiro, dois seres que há três semanas estão em isolamento social mas tentando aproveitar ao máximo as possibilidades caseiras desta situação.

Bem, seremos dois…. e um computador! A tecnologia permitirá fazer um almoço de Páscoa em família, sonoro e visualmente partilhado entre todos. Cinco mesas estarão temporariamente unidas, sem troca de paladares, mas com troca de afectos e de boa disposição.

Não haverá abraços calorosos e ainda não será o tempo de dizer ao vivo o tão desejado “olá Vasquinho” ao futuro neto que se desenvolve no ventre da minha filha. E que eu tenho tanta, mas tanta vontade de estar perto! Não haverá contacto físico entre a família, mas haverá o abraço virtual possível.

Sendo a Vida um acumular de experiências, a actual situação será uma das mais estranhas que vivemos e ficará para sempre gravada nas nossas memórias e afectos. Apesar do lado difícil registemos a sua singularidade…mas com a forte esperança que não se repita.

Voltando à Páscoa…

…a etimologia desta palavra é incerta, mas parece que deriva da ebraica pasach que significa passagem, talvez o termo perfeito para encararmos a situação actual e estes dias festivos em confinamento.

…sabendo que todas as passagens… passam… e levam a algo, esta também nos levará a um outro tempo e olhar, sendo este período de isolamento um mal necessário para essa travessia.

…contudo, se eu/nós e todos os que nos são queridos estiverem bem, activos e saudáveis…não será isso realmente o mais importante nesta dias? Eu creio que sim, especialmente quando são tantos os que já não podem dizer o mesmo.

 

Sendo uma Páscoa diferente… que seja a melhor possível!

 

 

 

 

pela primavera

 

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Manifesta-se com elegância a energia da Primavera, seja no alongar das horas de luz dos nossos dias, seja no aparecimento de temperaturas mais amenas nas emoções da nossa pele… e sempre, sempre no imenso acordar da natureza que está a acontecer em nosso redor.

Neste momento das nossas vidas e dadas as circunstâncias de retenção e de isolamento social em que estamos…

…não tenho um prado com flores para deleitar o olhar, mas tenho a florescência de algumas plantas de interior que aqui e ali dão cor a minha casa;

…posso não ter o aroma da terra, mas tenho o aroma intenso de um manjericão;

…não tenho a liberdade de ir passear e de proporcionar ao corpo e aos sentidos a vital energia deste início de estação, mas tenho o privilégio de ter uma casa com boa vista, muita luz e muita natureza no seu interior;

Apesar de confinada a algumas paredes e com o corpo e a mente claramente centrados num receio/medo que se pegou à nossa pele e ao nosso pensamento, eu tenho quase tudo. Em meu redor acontece o desenrolar silencioso da nova estação, os novos rebentos que brotam, as folhas em busca de um espaço próprio ou as flores revelando o seu potencial de forma e cor. 

É essa Primavera que hoje quero partilhar convosco.

 

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A viver numa varanda fechada (apesar de ser uma planta de exterior), a minha buganvília está cheia de flores e de rebentos neste início de Primavera, como revelam as primeiras três imagens. Tenho por ela um carinho muito especial uma vez que me foi oferecida após a publicação do texto que marcou o início deste blog e onde mencionei a empatia que sinto por esta espécie vegetal.

 

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Também o azevinho, outra planta de exterior a viver no interior, acompanha a vitalidade da buganvília e a sua energia expansiva. As pequenas flores brancas estão a dar lugar aos frutos, que um dia serão vermelhos.

 

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Todas as violetas estão felizes, cheias de botões e de vontade de partilhar as suas flores!

 

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Se as flores das begónias espalham o seu tom rosado, já o clorófito oferece a singeleza das suas pequenas flores brancas pontuadas pelo amarelo da antera dos estames.

 

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Contrariamente à planta-melancia, cujas flores são tão minúsculas que quase não se vêem, as orquídeas têm vaidade no tamanho das florescências, agora ainda em botão.

 

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Os fetos e as avencas não apresentam flores, mas são imensas as folhas que neles desabrocham…

 

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…assim como no Lírio da Paz ou no Scindapsus, acontecendo o mesmo em várias outras espécies.

 

Termino com o cheiroso mangericão porque ele, como sucede na maioria das aromáticas, é uma planta “sociável” e que sempre dá algo em troca. Na vossa imaginação deixo o seu  aroma e na fotografia a evidente vontade de multiplicação das suas folhas.

 

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Nestes tempos loucos que estamos a viver precisamos, mais do que nunca, de ser um pouco como os mangericões: sermos troca, sermos dar e receber. Como?

Procurando a beleza que continua viva perto de nós e cheia de vontade do nosso olhar. Procurando os detalhes positivos, porque eles são alimento. Procurando descobrir os pequenos prazeres que podem ser gratificantes e gerar uma boa energia. Procurando aqueles detalhes que podemos dar, receber e trocar mesmo à distância, sem toque, afagos ou abraços.

Precisamos muito…seja por nós, seja pelos outros.

 

 

 

boas festas!

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As pequenas searas de trigo germinado (brotos) estão crescidas, bonitas, e com elas o desejo simbólico de uma boa energia para esta época e para o novo ano.

Julgo que este também seria o motivo que levaria a minha mãe a fazer todos os anos diversas searinhas – de trigo, grão e de outros cereais/leguminosas – que depois colocava junto ao presépio. Era uma tradição sobre a qual nunca a questionei porque era simplesmente assim. Hoje sei que esse hábito se estende a várias regiões do país e não apenas ao Algarve de onde era oriunda.

No início de Dezembro o cereal é colocado em água, num recipiente baixo, e assim mantido para que ocorra a germinação. Há muitos anos recuperei esse ritual, que mantenho, não apenas pela memória de minha mãe e simbologia associada, mas pelo prazer de seguir diariamente o seu crescimento.

Actualmente tenho uma amiga que todos os anos me oferece o trigo necessário para as fazer. Na sua família têm o hábito de associar cada membro da família a uma seara, levando a uma certa disputa para ver qual se desenvolve mais…e quem terá o melhor ano!

Nunca saberei se este espírito estaria associado às várias searas que a minha mãe religiosamente cultivava. Talvez. Pessoalmente faço sempre mais do que uma, centrando nelas o meu desejo de um ano de “abundância”, seja qual for o sentido que cada um possa dar a este termo.

Eu prefiro pensar em paz, saúde e afectos. Outros talvez se centrem em algo mais material. Seja qual for a preferência, que seja partilhado. E agradecido. Afinal o espírito desta época é, ou deveria ser essencialmente esse.

Voltando às minhas searas, que o seu saudável crescimento seja um bom presságio. Para mim, para os que me são queridos… e também para os meus leitores!

Boas Festas e obrigada por este dar e receber!

 

 

Entre o Natal e o final do ano estarei ausente do blog. Será uma discreta paragem de alguns gestos habituais como, por exemplo…o ir ao computador!
Encontramo-nos em 2020!

 

 

 

afectos primaveris

 

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A Primavera é cor, vigor e tempo de procriação, pelo que tudo se conjuga para cumprir tal objectivo.

Se no reino vegetal a cor é um dos elos mais forte na forma de disseminação da espécie, no reino animal serão as feromonas e o instinto que estão na base dos rituais de acasalamento e da necessidade de deixar descendência.

Já na nossa espécie, por sua vez, é tudo mais complexo e belo porque, para além do instinto e das hormonas, liga-nos sentimento que se situam entre o afecto e a paixão. Mas a racionalidade humana tem a capacidade transformar todos esses factores num “jogo” que se manifesta em inúmeras formas de comportamento, sendo uma das mais comuns a capacidade de orientar os momentos mais íntimos para recantos menos expostos.

Pela complexidade e diversidade que representamos, vou esquecer a panóplia de sentires que nos abrangem em tempo de Primavera e incidir o olhar sobre a natureza, partilhando algumas imagens que esta Primavera já ofereceu.

Se na fotografia que inicia o post, obtida à poucos dias, o olhar encontrou esta enorme quantidade de aranhiços vermelhos numa só flor, só pode significar que os progenitores desta espécie aproveitaram bem as energias reprodutivas da estação. Apenas feromonas bem activas poderão ter dado tão admirável resultado!

Mas outros continuam a trabalhar para a continuação da espécie, seja no cimo de uma planta em equilíbrio bastante instável…

 

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…seja na transparência do vidro da janela onde trabalho em plena Lisboa!

 

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Continuando…

Já todos presenciamos o ritual de acasalamento dos pombos que proliferam nas nossas cidades. Um jogo bem exigente e cansativo para a parte masculina, diga-se de verdade. Mas ver um casal de pombos a partilhar um passeio cúmplice à beira-mar é simplesmente delicioso….

 

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…tal como é doce para o olhar ver este casal de patos reais a fazê-lo tranquilamente no seu ambiente natural.

 

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Outros animais contudo, preferem locais mais recatados e sossegados para fazer esse jogo de sedução ou quem sabe, talvez projectos para o futuro, como é o caso deste casal de charnecos.

 

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Por último….

…os afectos são tão amplos e cheios de possibilidades, e a imaginação algo tão vasto e sem limites, que até no meio de uma Lisboa invadida por uns seres chamados trotinetes… eu  encontrei duas calmamente a namorar!

 

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Continuação de uma amorosa Primavera!

 

 

(A segunda e a quinta imagens são da autoria do meu companheiro Jorge Oliveira)

 

 

doce páscoa

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Num mundo em estranha turbulência, o calendário cristão é pontuado por mais uma Páscoa e pela religiosidade a ela associada.

Mais do que a fé de cada um, é um tempo de boas energias porque as famílias se juntam na partilha de afectos, de novidades, de muitas iguarias e de uma doce disponibilidade.

No entanto, em muitas não é assim. Há famílias que são complexas como o mundo, em que há jogos de interesses, oportunismos e invejas, especialmente quando existem bens materiais em causa. Ou egoísmos que precisam de muito alimento.

Seja qual for o registo familiar em que nos integramos, tentemos favorecer a coesão e a partilha. Com ou sem religião associada. Apenas a partilha de algo genuíno, de uma boa energia que possa sair de nós na direcção dos outros e ser bem recebida, apesar das diferenças que sempre nos separam.

É isso que farei no meu pequeno e tranquilo circulo familiar!

E desejo o mesmo a todos vós!

Boa Páscoa!

 

 

 

dois filmes

 

 

Nesta época natalícia em que o conceito de família vibra dentro de nós de uma forma um pouco mais forte, é a altura certa para referir dois filmes ainda em cartaz em algumas salas de cinema portuguesas e que se enquadram no campo das relações familiares e dos afectos.

O trailer com que iniciei o post refere-se a Shoplifters: uma família de pequenos ladrões (2018), um magnífico filme pela forma como nos questiona sobre o significado do termo família, dos laços familiares e do que é realmente uma verdadeira família. Vagueando entre a doçura dos afectos e o drama, está muito bem realizado pelo japonês Hirokazu Kore-eda e tem excelentes interpretações dos actores envolvidos. Este filme venceu a Palma de Ouro do último Festival de Cinema de Cannes.

Isto é Vida! (2018) é o titulo da outra película que gostaria de referir. Foi realizada por Dan Fogelman, o mesmo autor da belíssima série televisiva This is us , e é um drama geracional em que os laços familiares existentes, mesmo que precocemente quebrados, vão interferir com as escolhas e no caminho a seguir. Alerta-nos de uma forma muito marcante para os imprevistos da vida e para o modo como os afectos e a família podem ser o ponto de viragem e de equilíbrio.

 

 

Aconselho vivamente ambas as películas, porque simultaneamente questionam e preenchem a nossa sensibilidade.

 

 

 

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Neste dia, há trinta e cinco anos, nasceu a minha filha. Foi um momento tranquilo, como tranquila tem sido a proximidade que nos une baseada em sensibilidades muito semelhantes.

Sempre que possível, ela tenta diferenciar este dia e fazer uma pequena viagem. Este ano está em Barcelona, bem acompanhada e feliz. Como qualquer mãe gosta de saber!

A ela dedico estas palavras e a fotografia, que creio apreciará pela simplicidade. Para mim, esta imagem é uma forma sublime de expressar a Vida que nos anima…

…como uma continuidade de fluxos…

…de movimentos ordenados ou aleatórios…

…encontros e desencontros…

…energias que fluem na superfície do nosso sentir…

…um tempo sem margens nem limites…

…e de muitos afectos, que deslizam na pele dos dias!

 

Sendo hoje um dia especial em afectos…

…Muitos Parabéns filha, e um grande e maternal abraço!

 

 

 

olá, primavera!

 

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O calendário da natureza vive da passagem das estações e hoje, no hemisfério norte, mais uma vez iremos assistir à chegada da Primavera, evento que ocorrerá exactamente às 16 horas e 15 minutos.

Para a receber condignamente, as abundantes chuvas com que Março nos tem presenteado deram uma pequena trégua, estando previsto o reaparecimento do sol a partir do meio da manhã, para quebrar a humidade e o cinzento das últimas semanas.

Na natureza, voltam a expandir-se as energias do renascimento e da procriação entre espécies. E será o tempo da sedução, do namoro e dos afectos sentidos e partilhados. O tempo do Amor.

Hoje detenho-me nesta última palavra, ou não seja a imagem que escolhi o detalhe de um vaso de “amores-perfeitos” que me foi oferecido por uma amiga de infância da minha filha, uma bióloga com a natureza no sangue, que os elegeu como forma de agradecer uma lembrança dada pelo seu casamento. Eles são o simbolismo de um amor, estão plenos de vigor e, visivelmente felizes, partilham a sua beleza com a vista da minha janela.

Gosto da ideia de começar a Primavera com estes “amores-perfeitos” por perto, apesar de não acreditar em amores perfeitos. Acredito em amores trabalhados, amores construídos e amores partilhados no dia-a-dia. Com risos e com momentos difíceis. Com verdade e respeito. E com muitas palavras ditas, porque há palavras que não devem ficar guardadas sob pena de se transformarem em mágoas. E acredito nos momentos de felicidade sentidos nos amores imperfeitos!

Nesta renascida Primavera, a trilogia “amor-sentir-energia” irá manifestar-se em cada um de nós de acordo com a passagem do tempo pelas nossas vidas, ou melhor, consoante o número de Primaveras já vividas. Nos mais novos, estará mais presente na vitalidade dos corpos, dos afectos e dos sentidos. Na minha idade, eu diria que ela entra pela pele e pelo olhar, alimenta o fervilhar das ideias que querem ser, intensifica a vontade de partilha, reanima a necessidade de viver mais intensamente o exterior e a natureza, e como consequência, o gosto em observar a vida em ebulição que nela renasce em cada recanto.

Que mais poderemos querer?

 

Por tudo isto, que seja essencialmente um tempo de descoberta e de renovação!

(Para outros, que este equinócio se revele um refrescante e aconchegante Outono!)

 

 

 

para sempre

Todas as crianças têm um pai e uma mãe, seja qual for posteriormente o seu contexto familiar. Todas necessitam de afecto, que deve ser genuíno e facilitador do diálogo e da aproximação. No fundo, que parta de um coração e chegue a outro coração!

Dengaz, é um cantautor português que se enquadra nos ritmos rap /hip-hop, estilo que não aprecio especialmente, apesar de considerar que as palavras e as mensagens a eles associadas são bastante interessantes. Porém, Dengaz compôs um tema musical dedicado às filhas e que, sempre que o ouço, me emociona um pouco.

Para sempre é o nome dessa canção e foi inicialmente editada no álbum homónimo editado em 2015. Porém, a versão que mais aprecio, integra uma reedição de 2016 e inclui a belíssima voz do cantor brasileiro Seu Jorge, na sua primeira parceria com um cantor português.

Não sei o que os levou a cantar este tema em conjunto. Gosto de pensar que foi o facto de ambos serem pais e de ambos terem filhas, sendo por isso semelhantes os sentimentos e os afectos sentidos. Certo é que as suas vozes encaixam bem e o tema ficou muito valorizado.

Muitos já o conhecerão, pois ouve-se amiúde nas emissões de rádio portuguesas. Mas isso não me impede de o partilhar aqui, não apenas porque aprecio a mensagem e a simplicidade da música, mas porque gosto do sentimento que está na sua origem, o amor e o afecto que todas as crianças necessitam. Especialmente dos pais. Todos os dias e não apenas neste dia dedicado às crianças.