pela ilha da madeira (III)

Os detalhes

…um a um, eles vão encaixando como um puzzle e formando uma realidade paralela que complementa a paisagem. São pequenos mosaicos de uma grande construção e um verdadeiro privilégio da natureza, seja nesta ilha seja em qualquer lugar do mundo.

Olhando para o solo…

…ele é o grande receptáculo da água/humidade existente. Por ele correm rios, ribeiros, canais e levadas… repousa a água das chuvas e dos nevoeiros…. assim como toda a que se condensa na vegetação em quantidades inconcebíveis.

Esse solo é por isso o cerne da vida e útero de uma imensa rede de raízes de uma flora característica e muito diversificada. Mais recentes ou centenárias, formam um verdadeiro mundo subterrâneo que espreita à superfície.

O nosso caminhar afaga-as e talvez as perturbe. Ou talvez não. Certo é que nos oferecem beleza e expressividade, mas em troca requerem atenção pois, sendo muitas vezes escorregadias… facilmente passam uma “rasteira” à nossa desatenção.

As bermas das levadas mostram uma vegetação de beleza única composta por fetos, musgos e muitas outras espécies. Deliciam o olhar dos mais atentos e estão ali para ser apreciadas.

Alguns caminhantes porém, percorrem os trilhos com tamanha velocidade que me pareceu nada verem….

Os fetos têm nesta ilha um dos seus paraísos. Abrindo-se em folhas gigantes ou de pequena dimensão, a sua presença é realmente marcante. E o seu desabrochar é e será sempre um detalhe que nos encanta.

É aqui, neste mundo dos fetos que encaixa a fotografia inicial deste post, uma imagem simbólica e onde encontro uma belíssima e solidária parceria visual entre um tronco queimado/cortado e o feto que a seu lado cresceu empaticamente. Gosto de imaginar que a solidão e tristeza deste tronco assim ficou menor…

É importante referir que a Madeira sofreu grandes incêndios na ultima década, creio que em 2010 e 2016, eventos que deixaram feridas ainda bem visíveis em vários locais.

Erguendo um pouco o olhar….

…tão ou mais expressivos que as raízes são os troncos, solo e abrigo de muitas espécies e onde naturalmente a vida ganhou novas formas. Também aqui, fungos, musgos e líquenes são uma presença que o olhar não consegue ignorar.

A beleza está na vida mas também a encontramos na morte, especialmente no reino vegetal. A expressividade das árvores e troncos secos, são puros gritos de beleza para as nossas emoções.

Diversificando o olhar é tempo de reparar nas flores, um verdadeiro ex-libris desta ilha que lhes dedica  inclusivamente uma festa em cada Primavera. Pela minha parte lamento que tantas sejam plantadas e depois cortadas para decoração desse evento. Pessoalmente isso dói-me.

Neste post apenas me interessam as flores que decoravam os caminhos por onde andamos. Foram muitas, variadas e sempre belas, na sua simplicidade ou sofisticação.

Destaco o massaroco da Madeira, uma planta endémica que marca presença em muitos lugares, especialmente de média altitude. Formam feixes de flores cónicas de tom azul-lilás e são sempre um encontro agradável sejam quais forem as condições atmosféricas envolventes.

Detalhe maior relacionado com esta ilha e que não pode realmente ser esquecido são as bananas, um fruto com características um pouco diferentes das que consumimos normalmente, uma vez que são mais pequenas e o seu gosto ligeiramente diferente.

São cultivadas em grande escala a baixas altitudes, especialmente nas vertentes e fajãs do lado sul.

Das muitas fotografias que tirei na Madeira, o foco esteve essencialmente na paisagem e na flora, mas também na fauna, temática que estará presente no próximo post desta série e que será o ultimo sobre as férias de 2022.

Mas outros detalhes despertaram a minha atenção, nomeadamente a nível da geologia, sendo com dois deles que termino este post. Fazem parte de um lote de imagens captado na Ponta de S. Lourenço, no último dia e antes de nos dirigirmos para o aeroporto. 

Escolhi-os por serem curiosos e por transmitirem um dinamismo que é real e constante neste planeta que nos recebe. Certo é que, ao observá-los, quase consigo ver o movimento daqueles núcleos a virem à superfícies e a serem “paridos” pela terra. Mas escolhi-os, especialmente, porque foram os últimos detalhes fotografados antes do regresso.   

Num silêncio pétreo, estes “filhos” daquela terra despediram-se do nosso olhar. E nós simplesmente agradecemos!

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pela ilha da madeira (I)

Foram os históricos trilhos e veredas da Madeira, nomeadamente as chamadas “levadas” que nos levaram este ano a essa ilha atlântica, numas férias há muito pensadas mas, por diversas razões, ainda não concretizadas.

A percepção que o tempo passa demasiado rápido nas nossas vidas e que em cada ano a resistência física vai naturalmente diminuindo, fez-nos decidir que este seria o momento certo de conhecer através de caminhadas as entranhas de uma ilha que até aqui apenas nos mostrara aquela sua vertente mais turística e acessível de carro.

Pela sua localização, na ilha da Madeira as zonas mais montanhosas e situadas essencialmente a norte são bastante chuvosas, pelo que a água abunda em toda essa região, brotando de inúmeras nascentes.

Sendo este vital elemento mais escasso a sul, desde o séc. XV que os habitantes locais começaram a hercúlea tarefa de orientar essa água através de canais que percorrem as encostas das montanhas num deslizar mais ou menos suave, passando inclusivamente por muitos túneis escavados na rocha. Muitas inserem-se em vertentes de grande declive, tornando-se difícil compreender como foram aí implantadas. Sabe-se contudo, que muitos homens morreram na construção destas estruturas, obra que se prolongou até ao séc. XX.

Estes canais “domesticados”, a par das ribeiras que seguem de uma forma natural, formam um imenso aparelho circulatório que permite que a água chegue a quilómetros e quilómetros de distância para posteriormente ser gerida com responsabilidade e democraticamente aproveitada por todos para a agricultura.

Nas muitas pesquisas que fiz antes de férias li que existem cerca de duzentas levadas na ilha, totalizando mais de 2000 Km. Isto permite perceber a importância que conquistaram ao longo dos séculos na tarefa de gestão da água e dos solos cultiváveis. Em média, esses canais terão talvez entre 50 a 90 centímetros de largura e, uma mesma levada, pode ter alturas/profundidades diferentes consoante a zona por onde passa. Por vezes correm em declives acentuados através de escadarias, dando origem a uma ruidosa sequência de cascatas. Em resumo, são uma fabulosa obra de engenharia tendo em conta a orografia da ilha e as circunstâncias em que se inserem.

Lateralmente a essas levadas existe um espaço para circulação, a chamada “esplanada”, que varia muito em largura, sendo por aí que os trilhos foram maioritariamente traçados. Nos percursos que realizamos, com grau médio de dificuldade (não fizemos nenhum considerado dificil), o cruzamento de caminhantes não criou problemas de maior, apesar de haver muitas zonas em que o espaço disponível era bastante estreiro. Nessas situações há que perceber previamente onde parar ou encostar de modo a evitar situações de instabilidade ou desequilibrios.

São percursos que exigem atenção e cuidado, especialmente porque os terrenos têm muitas raízes e são escorregadios devido ao excesso de humidade. Mas não os sentimos como perigosos, seja porque os trilhos estão muito bem sinalizados, seja por existirem protecções estáveis e seguras nos locais adjacentes a precipícios. Essencialmente, é necessário ter muito respeito pelas caracteristicas do lugar onde estamos.

Outro tipo de trilhos existentes na ilha são as chamadas “veredas”, percursos onde a água pode não estar directamente presente, mas são igualmente muito bonitos. Neles encontramos imagens encantadoras e quase mágicas, especialmente de majestosas árvores,

A grande magia dos percursos desta ilha está na paisagem mas especialmente na flora exuberante e endémica que os envolve, a chamada floresta Laurissilva da Madeira. Ocupa cerca de 20% do território e pelas suas características, foi englobada na lista de lugares do Património Mundial Natural da UNESCO.

Foi portanto neste contexto de uma natureza quase “histórica” que passamos os primeiros nove dias das nossas férias…

… entre muito verde e água, envoltos em sol, nuvens, nevoeiro e também alguns chuviscos

… deixando entrar no olhar vastos lugares e detalhes encantadores

…acumulando nas pernas e no corpo dezenas de quilómetros, muitas subidas e descidas, mas tudo envolto num saudável e doce cansaço

… e especialmente sentindo uma imensa alegria e gratidão por, dia a dia e na altura certa, termos cumprido sem contratempos um dos itens presentes na nossa “lista de desejos”.

Em próximos posts voltarei a estas férias, com outras perspectivas, detalhes e mais imagens.

(As fotos onde eu estou presente foram captadas pelo meu companheiro Jorge Oliveira)

inverno

O Inverno chegará hoje ao hemisfério norte quando faltar um minuto para as 16 horas. .

Neste cantinho da Europa prevê-se um dia cinzento, chuvoso e desagradável, fazendo justiça às suas melhores qualidades. Nós agradecemos, esperando que assim continue. A realidade diz-nos que precisamos dele bem molhado, porque o solo e os aquíferos precisam da sua frescura. Certo é que, sem excepção de raça, credo ou riqueza, todos dependemos desse precioso líquido para viver.

A essa vertente húmida e desagradável mas cada vez mais importante responderemos com protecções, aconchego…e paciência! Pelo menos os que podem dispor disso…

Bem vindo Inverno a este estranho 2021! Que seja um profícuo tempo de recolhimento e interiorização!

(para os que vivem abaixo da linha do Equador, que seja um Verão a gosto de cada um!)

variação em dois temas…

É raro o dia do ano que não está associado a qualquer comemoração, sendo certo que as homenagens existentes variam entre o compreensível e o estranho, o que por vezes faz nascer em nós um curioso sorriso.

Verifiquei recentemente que no dia 11 de Março de 2021, hoje portanto, se comemorara o Dia Mundial do Rim… e o Dia Mundial da Canalização! Essa constatação levou-me primeiro a uma certa surpresa, seguida da sensação que isso poderia não ser por acaso e logo me questionando se haveria uma razão para se juntarem num mesmo dia.

Pensei um pouco e comecei de imediato a encontrar pontes de ligação…

…ambos implicam a presença de uma infinidade de “tubagens” de calibres diferentes onde circulam líquidos mais ou menos puros;

…o rim, ao funcionar como um filtro purificador do sangue excreta para a bexiga resíduos resultantes do metabolismo celular que não interessam ao organismo, funções que exigem um complexo sistema de canais, veias, artérias, arteríolas, etc,…

…diluídos em água, esses resíduos saem pela uretra para o exterior através da urina…e seguem, juntamente com outras águas residuais pela imensa rede de esgotos e tubagens que se desenvolve nos subterrâneos das nossas cidades, vilas, etc. até chegarem às ETAR’s…

…aqueles locais onde um complexo sistema de milhentas tubagens tratará em várias etapas essas águas até estarem capazes de serem reutilizadas na rega ou em lavagens de ruas. Outra parte, já livre de poluentes chegará ao mar e perder-se-á na sua imensidão…

…enquanto isto acontece… o ciclo da água prossegue na natureza, através da evaporação….formação de nuvens… e chuvas mais ou menos abundantes… que convergem para os rios e seguem para as barragens. Aí…

…consoante as necessidades das populações, será captada por enormes tubagens, depois purificada…e, por outra teia imensa de canalizações chegará a cidades, vilas, aldeias e lugares… e às nossas torneiras…

…onde, num gesto simples encherá o copo que temos na mão e irá saciar a nossa sede, hidratar o nosso corpo…

…e em nós, irá percorrer aquele imenso e maravilhoso sistema de canais e funções que somos, será absorvida e alimentará todas as células do nosso organismo, e será parte daquele sangue que continuamente, através das artérias renais chega ao rim para ser filtrado e purificado…num ciclo que se repete continuamente.

Ou seja, tudo tem a ver com tudo…e tudo tem por base a água, esse bem precioso que sustenta a vida neste planeta. Nele, para ser possível vivermos em condições mínimas de salubridade circula artificialmente por condutas, canais, tubagens, canos….e, no nosso corpo, será sob a forma de sangue e linfa que circula, utilizando uma intrincada rede de canais.

Desventurados serão – e são muitos ainda – os que não têm as infra estruturas básicas em suas habitações que lhes permita o gesto de abrir uma torneira de água potável ou de ter acesso a uma rede pública de esgotos.…como desventurados serão os milhões de seres humanos que em todo o mundo não têm os seus rins a funcionar saudavelmente e, enquanto aguardam eventuais transplantes, precisam de recorrer duas a três vezes por semana à hemodiálise, onde um intrincado e inventivo sistema de tubos e máquinas substituirá a função dos seus rins.

Mais uma vez, o que é aparentemente banal e dado como adquirido deve ser devidamente valorizado. E não o fazermos apenas quando algo falha, ou seja, quando um cano se rompe em casa, a água falta…ou quando os rins doem ou a sua função está alterada.

Por isso….sim, estes dias comemorativos têm realmente sentido!

olhar confinado #2

Neste início de Março persiste em Portugal o confinamento e as limitações associadas à pandemia, apesar dos dados mais recentes perspetivarem para breve um alívio nas restrições. Creio que a Primavera nos trará esse presente para ser desembrulhado de uma forma cuidadosa e progressiva.

Desde o ultimo post a que dei este mesmo título e publicado no início de Fevereiro, as condições meteorológicas melhoraram imenso e os dias cinzentos deram gradualmente lugar a outros mais leves e soalheiros. Então as janelas foram abertas deixando entrar o ar e o sol.

As janelas são simultaneamente fronteira e ligação… interior e exterior…o aqui e o além…e o limite entre dois espaços que o nosso olhar une instintivamente quase sem darmos por isso. É nesses dois mundos que se desenvolve este post.

O primeiro olhar será direcionado para o exterior (alguns detalhes têm alguma semelhança com outros publicados no post anterior), mas foram agora captados em dias de sol e bastante mais luminosos.

Depois, o olhar seguiu para o interior….

…onde o sol, ao entrar pelas janelas iluminou a casa. Então, aqui e ali fui fotografando detalhes que visaram sobretudo o jogo luz-sombra e a forma harmoniosa como esses elementos se conjugam.

Deparei-me com imagens raramente apreciadas com atenção e confrontei-me com a efemeridade das sombras. O movimento do sol é realmente a música que orienta a dança das sombras! Agora estão aqui… daqui a pouco ali…e depois mais além ou, já nem existem Até ao dia seguinte, se o sol voltar a aparecer.

Se estes detalhes, apesar de procurados surpreenderam pela harmonia de linhas e contrastes, o que mais me encantou foi o ultimo registo deste post e que aconteceu por acaso. Ou talvez não. Na verdade, em tantos anos de vida nunca me tinha sucedido chegar à cozinha e nesse preciso momento ver uns raios de sol a incidir num copo de água, dupla que funcionou como uma lente que convergia, divergia e irradiava esses raios.

Fotografei de imediato e verifiquei que, também aqui, os efeitos se alteravam rapidamente em virtude do movimento solar.

Senti que era uma oferta e agradeci. Afinal era a melhor imagem que eu poderia obter no âmbito deste post em preparação.

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Termino com o desejo, profundo e cheio de esperança, de não voltar a publicar mais posts com este título!

muro com história

 

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O tempo passa…

…em nós, na natureza, nas cidades, nos edifícios e na generalidade da matéria.

A vivência deste pacto deixa marcas, cicatrizes e detalhes que o olhar por vezes questiona com a curiosidade que lhe é própria. Foi nesta dinâmica que recentemente encontrei este muro numa rua de Lisboa, uma estrutura aparentemente isolada mas esculpida pelo tempo e revelando sinais de um passado de histórias.

Um olhar mais atento captou a textura e a irregularidade da sua superfície em resultado de uma amálgama de construções, acrescentos e talvez funções. É possível que tenha abrigado uma porta ou janela…tem orifícios supostamente com função de escoamento…e foi, sem qualquer dúvida percorrido por água, detalhe revelado pelas ruínas de uma tubagem cerâmica que guarda nas entranhas.

Muitas transformações originaram esta superfície ecléctica e irregular que hoje abriga ervas daninhas, teias e aranhiços, e que  vive adjacente a um passeio localizado numa rua pouco movimentada da cidade.

Desconheço que segredos visuais guardará no outro lado. No entanto, gosto de o pensar como um todo, com exterior e interior, e como uma construção activa que já viveu muito.

Talvez ele guarde recordações de corpos e de mãos que nele se apoiaram… recordações de partilha, de felicidade ou de dor… e recordações de tudo o que a imaginação nos possa permitir. Talvez…

Objectivamente, ele é uma obra de arte do tempo… e um belo muro com história!