Terminou o Verão e diluem-se no Outono os últimos instantes com sabor a praia. São momentos maravilhosos pela luz apaziguadora desta época do ano, pela tranquilidade que transmitem ao corpo e pelo amplo espaço que os areais com poucos visitantes permitem ao olhar. Tudo é paz. Ali não entram as incongruências do mundo.
É possível que ainda retorne à praia neste Outono, mas a despedida formal, aquele ultimo banho de agradecimento está em mim. Frio e intenso. Faz parte de um silencioso e íntimo ritual que acontece anualmente, como o ponto final de uma frase….cujo tema reaparece todos os anos a fim de escrever mais um parágrafo.
Entretanto, a vida seguirá pelos nossos dias. É esse o maior desejo. E na natureza também. Sempre.
Nesta praia da despedida e em todas as praias, a areia será movida pelo mar e pelos ventos.. e as ondas voluntariosas e artistas continuarão a desenhar na beira-mar as suas emoções. Todos os dias, sem falhar.
Sem qualquer objectivo em vista, gosto de passar o olhar pelas datas comemorativas do Calendarr para saber os eventos passados ou futuros.
Hoje, curiosamente, ele revelou-me que ontem foi o Dia de brincar na areia e que hoje, 12 de Agosto, é o Dia do filho do meio. Deliciam-me estes títulos, seja pela factor surpresa seja por chamarem a atenção para aspectos pouco comuns e aparentemente banais. Porém, talvez não seja exactamente assim…
Por um lado a areia…
…qual de nós não se envolveu ou envolve ainda com algum prazer na textura dos infinitos grãos de um areal e aí imagina/cria estranhos mundos ou efémeras construções? Brincar com a areia faz parte do nosso imaginário e do rol de sensações que se guardam nos recantos da memória e da pele. Creio que o nosso lado-criança sempre brinca na areia ao longo da vida, mesmo quando já não o faz ou nem tem areia por perto…
Por outro, aquela sensação de abandono por falta de atenção…
…quantos de nós, tendo ou não irmãos, já não nos sentimos o “filho do meio? E a sensação de ser invisível, indiferente ou quase ignorado em determinadas ocasiões pelo facto de outros, por estatuto, posição ou personalidade conseguirem captar facilmente a atenção e o olhar dos demais…
Ambos as datas me levam por aí…
…a sensações guardadas… a solidões sentidas….a detalhes vividos…à infância e aos areais dessa infância….aos castelos de areia…à idade adulta…a uma certa ingenuidade…talvez a tudo isso em conjunto….
Nos primeiros dias de Setembro voltamos à Costa Vicentina para usufruir de umas curtas férias. Esta região de Portugal é um lugar de tranquilidade e de imensos olhares, seja o mais amplo que facilmente se envolve nas neblinas locais ou aquele mais minucioso que encontra magníficos detalhes/texturas resultantes da acção do tempo e dos elementos naturais sobre este solo que pisamos.
Restringimos os dias disponíveis a quatro praias, sendo as imagens aqui publicadas captadas unicamente nas Praias de Odeceixe, Vale dos Homens, Carreagem e Amoreira, um troço de pouco mais de 10 Km da costa oeste do Algarve e uma pequena parte dos 130/140 Km do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
A maré vazia em praias que perderam alguma areia nos últimos anos facilitou o acesso a zonas rochosas de grande personalidade. Geologicamente é uma área muito rica, mas a minha ignorância e a complexidade dessa matéria não me permitem complementar este post com dados mais científicos como gostaria. Será por isso uma apreciação puramente visual, emocional e centrada nas texturas encontradas.
Em toda esta área os veios de quartzo “decoram” as rochas de forma diferenciada e quase incompreensível para a nossa mente limitada no tempo. São milhões de anos de história desenhada que está ali perante o nosso olhar em resultado das movimentações dos solos e dos seus sedimentos, de infiltrações, de compactações e, especialmente, de muita, muita erosão.
A interacção da água do mar com a areia, algo que sempre me fascina, cria verdadeiras obras de arte ao ar livre.
A par desta natureza-artista instalou-se a natureza-vida sob muitas e diferentes formas. Mexilhões, lapas/cracas, ouriços e caracóis do mar, caranguejos, camarões, anémonas, algas, musgos, peixes, etc. assumem um papel importante no equilíbrio do ecossistema e deliciam qualquer olhar, mesmo o mais distraído.
Mas a natureza é mestra nas mensagens que silenciosamente nos revela, mensagens que quer eu quer a minha imaginação apreciamos deveras descobrir.
Seguindo esse pensar, diria que a fotografia que se segue (e última deste post) encerra uma dessas mensagens. De uma forma muito simples a natureza diz-nos que o equilíbrio é possível através da diversidade e que em paz se pode viver lado a lado com a diferença, seja ela a que nível for.
Algo que muitos de nós no geral e alguns em particular, sobretudo alguns “leaders” deste mundo, ainda não entenderam verdadeiramente.
Termino, assegurando que este é realmente um belo recanto de Portugal, especialmente para os apreciadores de tranquilidade, de texturas e de detalhes!
No primeiro post publicado sobre este tema optei por dar informações gerais… no seguinte, o meu olhar percorreu a paisagem a nível do horizonte… e hoje, para concluir, irei centrar-me na beira-mar e nos seus areais, pelo que as imagens serão essencialmente detalhes de uma região que vive do dinamismo das marés.
Entre os extremos destes fluxos passam seis horas e alguns minutos, sendo estes últimos variáveis. É assim neste planeta que habitamos, seja aqui ou em qualquer outro lugar junto ao mar. Em Julho, apesar das marés serem mortas, o facto desta área natural possuir grandes bancos de areia permite sentir bem os seus extremos.
Maré vazia…
Nesse recuo, são variadas as formas que o mar escolhe para se despedir da areia…
Para além dessas aleatórias marcas, ele aproveita os recursos que tem à mão e naturalmente “desenha” na areia suaves linhas ou manchas de maior densidade e visibilidade.
Nesse tempo de aparente paragem o mar permite o descanso das formas, seja em silenciosa solidão ou em caos partilhado…
Algumas horas depois do início da vazante, o calor do sol seca a “pele da areia” fazendo nascer novos grafismos. Por outro lado, aqui e ali, surgem marcas reveladoras da passagem de humanos.
Um segundo…
Será um segundo o tempo que separa o final de uma maré e o início de outra. No relógio. Talvez exista mesmo um período de quietude e de nada, mas à beira-mar esse momento é imperceptível. Porém, com um pouco de imaginação e pela calmaria das águas, vamos supor que seria o instante da imagem que se segue…
Algum tempo depois, a subida das águas começa a ser visível de variadas formas, seja através das pequenas ondas e das espécies que vêm embaladas por esse fluxo…
…seja no efeito de ondas mais activas que fazem surgir bolhas resultantes do ar que entretanto se infiltrara na porosidade da areia.
Em zonas de ria, em que os fluxos são mais passivos, a subida da maré pode ser acompanhada pelo contínuo arrastamento de finas placas de areia na superfície liquida…como pequenas nuvens em andamento que vão projectando a sua sombra no fundo arenoso…
E assim, ao ritmo da terra, da lua e do mar, a maré vai tranquilamente enchendo. E depois voltará a baixar, sem cansaço nem atrasos.
Enquanto isto… maré após maré…dia após dia…talvez todos os dias do ano…
…na areia seca, as carochas deambulavam sem parar, de declive em declive, até o meu olhar as perder de vista.
Que procuram?… Para onde vão?… Encontrarão a família?…
Mas a carocha da imagem seguinte era especial e determinada. Por isso termino o post com a sua companhia.
Subia…e caía…subia e voltava a cair…e subia e caía novamente…
E ali ficou, naquela luta, insistindo, na tentativa de chegar a algo….
…fascinou-me a vastidão, o silêncio húmido e o cheiro a mar dos areais durante a baixa-mar, assim como os passeios sem tempo nem objectivo percorridos naquele ínfimo e simultaneamente tão amplo ponto do planeta.
Nesse deambular, com o corpo seguiam o pensamento e o olhar, por vezes muito perto e íntimos, ou naturalmente seguindo rumos diferentes. A liberdade era total.
Praia da Barra da Fuseta, ilha da Armona
Praia da Terra Estreita, ilha de Tavira
Península do Ancão e ilha da Barreta/Deserta ao fundo
Nesses passeios, deliciaram-nos as aves que vagueavam pelo ar, mar, terra ou beira-mar. Gostamos dos seus sons, movimentos, tácticas, e do tempo que exigem ao nosso sentir para não as perturbar.
Afinal, aquele espaço é mais seu do que nosso e por isso, há que o respeitar.
Flamingos na zona do Ludo, Faro
Garça branca no percurso do Ludo, Faro
Gaivotas na ilha da Barreta ou Deserta
Pernilongo no percurso do Ludo, Faro
Chilreta na Península do Ancão
Tranquilamente permanecemos em praias silenciosas onde as palavras dos outros estavam longe e não chegavam ao nosso entender. No ar, apenas o chilrear das aves, o som das pequenas ondas ou, pontualmente, o ruído de um barco que passava.
E no corpo, banhos de sol e de mar!
Praia do Barril, Ilha de Tavira
Ilha de Tavira
Ilha da Barreta ou Deserta
Retenho ainda a diversidade de trajectos realizados a pé, as distâncias percorridas em barcos de dimensões variadas consoante o destino escolhido, ou os locais em que a componente cultural e de aprendizagem esteve sempre ao lado da paisagística.
Visita guiada pela ria, com saída da cidade de Faro
Passadiço da Ilha da Barreta/Deserta
Salinas no trilho do Ludo, Faro
Cemitério de âncoras na Praia do Barril, Ilha de Tavira
Igreja Matriz de Olhão, séc XVII/XVIII
E por fim, quando a noite chegava, ali estavam as estrelas bem visíveis e sem as luzes citadinas para as ofuscarem, desejando-nos naturalmente uma boa noite de descanso.
A Ursa Maior e a Estrela Polar
Na generalidade, foi isto o que a Ria Formosa nos ofereceu: muito espaço… muito céu… muitas estrelas… muita natureza… muito mar…e muito, muito ar para respirar!
E outros pormenores captados pelo olhar, que integrarão outro post a publicar!
Que história contariam estes grãos de areia agarrados à minha pele?
Uma história infinita
impossível
intemporal
ou talvez genial?
Que pena os grãos de areia não contarem histórias!
Porém,
todos os grãos de areia que se agarram a uma pele têm algo mais para
“contar”, porque tiveram o privilégio de sentir o calor e a energia humana, o que significa…
…que fomos um novo episódio para a sua longa e imensa história!
É simplesmente isso que devemos pensar… sempre que a areia se agarra à nossa pele e é difícil de sair!
Este poema é um “mar-divagar” pessoal e nada diz sobre a real importância deste elemento na vida de todos os portugueses. O mar é a nossa história, o nosso percurso e estou certa que será uma parte fundamental do nosso futuro.
Pretende-se apenas que, neste dia, cada um relembre o seu próprio Mar!
Mar,
de longo e infinito olhar
onde é fácil imaginar
aquele lado da vida
que a vida não nos quer dar.
Horizonte de poesia
que me leva a passear,
deixando os pensamentos
profundos
ou em fragmentos,
pelas águas navegar.
Uns mergulham nas ondas
e ficarão sempre a nadar,
outros preferem voar
levados por um véu de água
que se evapora no ar,
e muitos,
felizes e sem mágoa,
diluem-se na branca espuma
que na areia vai descansar.
Tranquilamente,
percorro a beira-mar…
…talvez a procurar
um pensamento
meu,
escondido numa concha,
morando no coração
de um búzio,
ou dormindo na areia
que os meus pés estão a pisar!