Dando continuidade ao tema iniciado no passado dia 5 de Maio sobre as aldrabas/aldravas – um das mais genuínas ligações sonoras entre o exterior e o interior de uma habitação – hoje centro-me em formas um pouco mais elaboradas que as anteriormente partilhadas.
Nesse conjunto incluo primeiramente as oblongas/tipo jarra ou taça, que encontrei em grande número. Variam na forma, no material, na tonalidade, ou ainda nas ferragens a que estão normalmente circundadas mas, no geral, mantêm um padrão semelhante.
Um pouco mais complexo é o grupo que se segue e que finaliza esta temática. Nele aparecem formas diferenciadas, entre os quais animais, faces humanas, motivos vegetalistas, etc.
Neste último grupo, como devem ter constatado, o rosto do leão….o rei da selva….é também o “rei das aldrabas”!
Vejo isso como um facto bastante interessante pois, logo à partida e mesmo que inconscientemente, a presença de um leão à porta impõe respeito… indica status social… leva a um certo distanciamento, etc,. etc,.
Porém, e curiosamente…o seu “toc-toc” é semelhante aos demais!😉
Ao imitar o som do acto de bater numa superfície dura, a palavra que dá titulo ao post de hoje é uma onamatopeia, figura de linguagem que nos leva a um instante sonoro muito específico.
Se o toc toc que antecede o penetrar num espaço mais reservado dentro de uma habitação faz parte das regras de boa educação e é feito com a mão, já o clássico toc toc proveniente de aldrabas (ou aldravas) indicava a presença de alguém no exterior, uma forma comunicacional que foi quase silenciada pelo advento das campainhas eléctricas.
No entanto, pela importância que tiveram na relação público/privado, são imensas as que ainda permanecem em muitas portas.
O meu gosto por detalhes levou a que muitas me “tocassem” e consequentemente a reunir ao longo de meses um bom conjunto de fotografias de aldrabas existentes nas zonas de Alcântara, Santos, Madragoa e Lapa, áreas de Lisboa por onde normalmente passeio na minha hora de almoço.
Uma vez que tenho muitas fotografias, irei repartir em dois posts as imagens que considero mais interessantes. E para que não seja uma partilha aleatória, associei-as por estilos e formas.
Começo pelas clássicas “mãozinhas” que seguram uma espécie de esfera, uma forma bastante comum que aparece geralmente em habitações mais simples. De qualidade diferenciada e mais ou menos perfeitas, podem estar associadas a um encaixe simples ou complexo, apresentar “punhos” rendados, folhos, etc.
Visualmente são as mais perfeitas substitutas daquele toc-toc original saído da mão humana, numa ligação que por vezes é extremamente real e humana, como bem se sente, por exemplo, na primeira imagem do conjunto que se segue. Objectivamente, aquela primeira porta verde tem duas mãos!
As aldrabas que têm por base uma argola são, como todas as restantes formas existentes em metal/ ligas metálicas e podem ser extremamente simples ou mostrarem pequenos relevos decorativos. De uma forma geral revelam um gosto sóbrio e um tanto minimalista.
Pensando retrospectivamente sobre todas as aldrabas encontradas, creio que esta forma é a mais comum e a que existe em maior número. Por não terem muito que as diferencie e serem bastante repetitivas, decidi não fotografar todas as que vi.
Termino este primeiro post com uma curiosidade que revela bem a heterogeneidade de “personalidades” que existe…seja de aldrabas seja de pessoas!
Em três momentos da captação destas imagens as portas en causa abriram-se. E curiosamente as reacções foram todas diferentes: emcontrei um sorriso condescendente…encontrei desconfiança e uma pergunta pouco simpática sobre o que estava ali a fazer…e encontrei indiferença pura.
Não obstante serem invasoras, estas aves são uma companhia barulhenta e movimentada nos jardins de Lisboa. Andam normalmente em grupo, pelo que achei muito curiosa esta solitária presença em cima de uma antena.
Nesta dinâmica dos dias e da vida, talvez…
… passasse por um dia menos bom
…tivesse um assunto para pensar/resolver
… necessitasse de um pouco de silêncio e de se afastar dos irrequietos companheiros do bando
…estivesse a dormir
…ou apenas a apreciar a vista!
Fosse o que fosse, certo é que ali ficou por algum tempo, absorta e silenciosa.
Abri a janela e tirei a foto acima. Apercebendo-se da minha presença a alguns metros virou-se para um lado…depois para o outro…
…e por fim para trás, com um ar bastante curioso. Gosto de pensar que foi para me dar os bons dias!!🤗
Há algum tempo publiquei um post sobre as pequenas caravelas que pontuam as paredes de algumas habitações localizadas relativamente perto da zona ribeirinha de Lisboa.
Essa busca levou-me a reparar noutros elementos/sinalética que, por este ou por aquele motivo me chamaram a atenção.
Alguns, são apenas detalhes do tempo que “desaguaram” neste séc. XXI. Não guardarão em si o significado ainda meio desconhecido das pequenas embarcações, mas cada um deles reflecte uma dinâmica citadina que usualmente nos passa ao lado. Objectivamente, eles revelam algo facilmente perceptível (ou não), mas são sempre formas de comunicação entre a cidade-espaço e a cidade-pessoas, sejam eles os habitantes locais ou os passeantes como eu.
A fé, no geral associada a uma certa religiosidade e intrínseca à maioria das pessoas, ultrapassou paredes e assentou raízes em fachadas de edifícios através de pequenos azulejos ou grupos de azulejos pintados com santos, virgens, etc
Reflectirão estes elementos a fé de quem as habita…a fé dos proprietários das habitações (que muitas vezes não as habitam)…ou uma fé que entretanto as desabitou e se perdeu no tempo?
A maioria, julgo eu, foi provavelmente ali colocada com a finalidade de proteger a habitação de energias menos simpáticas e/ou negativas.
Os momentos de glória sempre deixam marcas. Encontrei-a em duas ruas que no início deste século ganharam o concurso da “Rua mais florida” de Lisboa. Hoje, muito pouco as aproxima desse título…
Detalhes informativos são muito comuns e clarificam de imediato o tipo de proprietário, a função dos edifícios ou aspectos relacionados com a segurança das habitações.
Há detalhes na cidade (e em todo o lado!) que visualmente me incomodam. É o caso dos fios, eléctricos/comunicações que aqui, ali e além “decoram” ruas, paredes, recantos, varandas, etc, etc. De certa forma eles reflectem a profusão desses meios nas últimas décadas e o modo pouco controlado como “invadiram” o nosso espaço e vidas. Incomodam ainda mais quando não respeitam aspectos arquitectonicos que muitas vezes caracterizam os edifícios.
Sendo no geral demasiado inestéticos, partilho apenas dois exemplos dos imensos que poderia ter fotografado.
Aqui e ali, a arte urbana também está presente, seja em pequeno ou em grande formato. Limitei-me ao primeiro, pois a ideia deste post é a de partilhar essencialmente detalhes.
Entretanto deliciei-me com as imagens que se seguem, sendo com esse conjunto que termino. Já conhecia duas destas esculturas porém, este deambular permitiu-me encontrar mais algumas dessas figuras em ferro que decoram o topo de algumas habitações localizadas na área de Alcântara.
Acho-as simplesmente deliciosas!
Este post é a prova provada que, se passarmos atentos pelos lugares eles têm imenso para nos dar em troca. Na verdade eles contam histórias, momentos, modos de viver, revelam opções e sempre nos comunicam algo, seja ou não do nosso agrado.
Há muito que este edifício localizado nas traseiras do meu local de trabalho espera recuperação e um novo rumo. Ainda não teve a sorte de uma boa parte dos prédios mais antigos de Lisboa que na última década foram intervencionados melhorando de sobremaneira o visual da cidade. É certo que o destino da maioria foi o de hotel ou alojamento local, mas isso é uma outra e longa história…
Neste edifício a degradação é evidente, seja pelo abandono seja por algum vandalismo. Nas traseiras, onde captei esta imagem, o seu aspecto é ainda mais decrépito e triste do que da fachada principal.
Porém…
…habita-a Vida, oferecida pelas muitas ervas daninhas que vão nascendo nos seus interstícios ou perto de zonas onde a água da chuva /humidade se acumula, como caleiras, tubos de escoamento de água, etc. Aí essas plantas vão cumprindo o seu ciclo de vida, engrossando seus troncos e até discretamente florindo.
Diria que esta imagem é um perfeito “conflito visual”, porque nela encontramos a morte e o renascer, a degradação e a vida, o enfraquecimento e o fortalecimento. E como acontece amiúde, também aqui a natureza revela a sua força e incrível capacidade de aproveitar oportunidades mesmo em condições totalmente adversas.
Um verdadeiro conflito visual que acaba por ser uma lição. Naquele edifício, assim como nesta construção que somos, sempre existe um recanto mais inseguro, difícil, frágil, obscuro e, quiçá aparentemente incapaz, passível de ser transformado/sublimado e revitalizado por um qualquer acontecimento, detalhe ou sentir.
Por algo que, numa certa perspectiva, poderá ser o tal factor de equilibrio.
Lisboa sempre nos oferece curiosos detalhes, seja qual for a área da cidade que nos acolha. O facto de profissionalmente me enquadrar entre as zonas de Santos e Alcântara, leva a que privilegie esse segmento da capital para os passeios que faço habitualmente à hora de almoço, seja a um ritmo activo ou mais tranquilo e fotográfico.
Nesse deambular passo inúmeras vezes pelas pequenas caravelas em pedra inseridas nas fachadas de algumas habitações desta zona da cidade, baixos-relevos cujo estado de conservação varia entre o bom e o bastante mau. Li que existem elementos deste tipo noutras zonas da cidade próximas do rio Tejo, mas ainda não os fui procurar.
Creio que ninguém saberá ao certo o seu verdadeiro significado, sendo várias as versões conhecidas. Uns dizem que estariam na fachada de edifícios onde habitavam pessoas cuja profissão estaria relacionada com o mar; outros afirmam que poderiam ser marcos sinalizadores relacionados com os limites do município, cujo símbolo tem por base uma caravela. Outras versões existirão certamente, mas deixo isso para historiadores e especialistas na matéria.
Eu prefiro o papel de observadora destes curiosos detalhes que pontuam a cidade e de deixar a imaginação “navegar” com eles por onde quiser. O importante é constatar que ainda persistem, sendo um legado que temos a obrigação de cuidar, preservar, apreciar e partilhar.
Calçada da Pampulha nº 4 e Rua Presidente Arriaga nº 124
Rua Presidente Arriaga, nº136/138 e nº142
Rua Presidente Arriaga, nº150 e nº152/154
Rua Presidente Arriaga nº172, e Rua Prior do Crato nº40
Rua Prior do Crato nº175 e Rua da Costa nº43
Rua da Costa nº63 e Travessa da Costa nº81
Com um enquadramento diferente, outras caravelas podem ser vistas nesta zona, como a existente no Fontanário nº10 localizado da Praça da Armada e ainda na fachada do nº19 da Calçada do Livramento, esta de maior dimensão e creio que bem mais recente.
Estas imagens mostram claramente que alguns destes elementos se encontram em mau estado de conservação e que não tem havido cuidado na sua preservação. Se a erosão e a poluição são importantes factores de desgaste, também a incuria humana tem dado uma boa contribuição. Aliás, a presença de cabos electricos e de telecomunicações colocados sobre alguns estes baixos-relevos é bem demonstrativa disso.
Numa pequena investigação que fiz encontrei referência a outras caravelas…mas in loco não existiam, provavelmente porque as fachadas dos edifícios foram remodeladas e/ou esses elementos entretanto retirados.
Antes de terminar, gostaria ainda de referir que a imagem que inícia o post é um detalhe da fachada da habitação nº10 da Rua da Costa e que a zona da cidade onde todos estes elementos se encontram está assinalada no mapa abaixo.
Neste vaguear recolhi outro tipo de detalhes que oportunamente poderão dar origem a uma publicação de titulo semelhante mas de conteúdo bastante diferente.
Cidade de gente apressada cidade de gente indiferente…
Gastam passos sem sentido passam esquinas, casas, dor pisam pedras, pisam gente negam um olhar decente ignoram que há luz e cor e tanto para ser percebido.
Abranda o passo, esquece o tempo por momentos e usa a cidade com amor, acaricia as pedras ao andar faz de cada esquina uma descoberta e de cada azulejo uma obra de arte.
Deixa a cidade tocar-te,
procura no outro uma janela aberta e põe um sorriso no seu olhar!
Poema e desenho de Dulce Delgado, ambos com mais de três décadas mas de uma temática que se mantem actual. Diria apenas que o poema revela um pouco de idealismo a mais…
Desde ontem, em consequência da passagem da depressão Célia, assistimos à invasão de uma nuvem poluída e de cor alaranjada proveniente do norte de África formada por finas poeiras em suspensão. Um estranho “filtro” que se interpôs no exterior entre o nosso olhar e tudo o que ele abrange.
Num campo totalmente diferente, outra invasão aconteceu recentemente no terminal de Alcântara do Porto de Lisboa, quando o vimos ser ocupado por quatro gruas gigantescas de origem japonesa, as quais, segundo li, são o supra sumo em tecnologia. Além disso, o seu tamanho e funcionalidades irão permitir a atracagem de navios porta-contentores igualmente gigantes, o que até aqui não sucedia.
Isto significa que a partir de agora, o olhar de quem habita e/ou trabalha naquela área da capital e desfrutava de vista para o rio foi violado por estes quatro monstros que, em certos ângulos, abafam totalmente a bela ponte 25 de Abril. Pessoalmente, deixei de ter a sua elegância no meu olhar e passei a ter umas descomunais estruturas vermelhas e brancas que ainda não consigo aceitar. E como eu, tantos outros sentirão certamente o mesmo.
Relacionando tudo isto….
…a invasão deste respirar poluído foi por momentos metaforicamente sentida como a “materialização” da “nuvem” que se abateu ultimamente sobre a energia do mundo, algo que a minha esperança precisa de acreditar que terá um fim em breve… tal como a poeira do deserto desaparecerá e dará lugar a um bonito céu azul;
…mas nada diz a minha esperança sobre a invasão das gruas-monstros, que ficarão para sempre como intrusos na “alma” desta zona ribeirinha de Lisboa. De um dia para o outro, a minha e muitas janelas foram amputadas de uma vista que me encantava todos os dias há quarenta e um anos. E sinto-me triste por isso.
Numa época em que a palavra “invasão” assombra as nossas mentes e transformou o tempo que habitamos, este post é apenas um conjunto de pequenos detalhes e emoções associadas a essa palavra que infelizmente reentrou em força no nosso vocabulário pelas piores razões. Porém, também ficará associada a uma grande “invasão de solidariedade”!
Diria, para terminar, que ele se centra nas pequenas “invasões” inócuas que vão marcando os nossos dias…porque a vida continua para além daquela (im)possível e bárbara invasão da Ucrânia.