experimentações #37

Continuando a partilha de experimentações gráficas, depois do álbum elaborado em 2011 sobre as férias passadas nos Açores e já aqui publicado no último post desta série, só poderia fazer algo mais simples e menos exigente. Por isso, de uma forma muito natural em 2012 predominou a escrita intercalada aqui e ali com alguns registos gráficos, fotografias ou com aquilo que a natureza me ia oferecendo.

Este álbum abarca cerca de dois meses, englobando férias que se realizaram… férias que não se concretizaram…. e ainda outro tipo de situações familiares e sociais ocorridas nesse instável período de crise nacional e internacional. Diria que, mais do que um álbum de férias, ele é um álbum de vivências ocorridas no Verão de 2012.

Tendo em conta a quantidade de texto e as muitas folhas sem qualquer registo de outra natureza, vejo-o mais como um documento vivo do que como um album gráfico. Mas essa perspectiva não lhe tira qualquer valor emocional pois, pelo contrário, creio que até o fortalece.

Sendo este o último fim-de-semana de Novembro, que seja um tempo tranquilo e bem aproveitado por todos!

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experimentações #33

Durante alguns anos centrei-me essencialmente nos álbuns “por aí” como os partilhados no último post desta série.

De vez enquanto surgiam algumas intranquilidades criativas, inquietações que no final de 2008 aumentaram muito, a par da sensação de estar “demasiado parada” e de precisar de crescer um pouco mais.

Comecei também a sentir que o caminho não estaria nos traços que povoavam o meu imaginar como acontecera até então, mas que precisava de saber desenhar melhor o que via, de perceber racionalmente a relação entre as formas/volumes, perspectivas, sequência de planos, etc. Percebi igualmente que precisaria de muito, muito treino até eventualmente sentir que sabia realmente desenhar. Adquiri então alguns livros que me deram dicas importantes e comecei com um treino intensivo que consistia em fazer um desenho por dia o que, verdade seja dita, nem sempre foi cumprido com rigor.

Ao centrar-me na realidade tudo começou a ser alvo do meu olhar e a ser desenhado. Utilizava a caneta para não apagar nada e assim perceber a evolução. E depois foi insistir, insistir e insistir, como consiste no geral qualquer treino.

Os blocos foram sendo preenchidos, ficando aqui apenas alguns exemplos desse treino visual e manual.

Nesse ano de 2009 voltei a fazer um bloco com registos de férias, o que já não acontecia desde 2003. Completamente diferente dos anteriores, ele foi de certa forma uma continuação dos desenhos diários para os quais eu estava “programada”. A grande diferença é que os alvos escolhidos estavam maioritariamente no exterior. 

Na última imagem, as duas páginas do bloco estão preenchidas com registos rápidos de pessoas em movimento, algo para mim extremamente dificil, quer naquela altura quer agora.

Falta-me uma boa memória visual capaz de captar a posição dos corpos em acção como uma imagem fotográfica que depois seria transposta para o papel. Precisaria realmente de muito, muito treino até conseguir registos que exprimissem a naturalidade/espontaneidade dos corpos e das expressões a ele associadas. Porém, até hoje não me apeteceu fazê-lo. Talvez um dia, quem sabe.

Neste momento assumo totalmente essa incapacidade relativamente a algo que, na minha perspectiva, caracteriza e define um verdadeiro desenhador.

experimentações #32

Qualquer concretização é sempre gratificante, mas se for algo saído da nossa criatividade, o sentimento que fica pode ser de equilíbrio, de satisfação e de ficarmos “saciados”. E se o tempo e a energia despendidos nessa construção foram marcantes, é possível que se necessite de um período de descanso…ou de nada… tal como acontece com os atletas depois de uma corrida ou jogo.

Foi precisamente isso que eu senti depois de três anos seguidos a fazer livros de férias (partilhados nos últimos três posts desta série). Senti que não precisava nem queria mais…a não ser descansar!

A realidade mostrou-me que ao partir para umas férias com essa “construção” em mente, a atenção era redobrada e o “material” necessitava ser recolhido, mesmo que não tivesse antecipadamente nada na ideia. Certo é que, se tal atenção e gestos não existissem, seria muito mais difícil a sua construção. Ou seja, comecei a sentir que precisava mesmo de relaxar nas férias e de não estar com qualquer preocupação. Queria apenas férias.

Então nos anos seguintes não fiz álbuns como os já aqui partilhados, mas iniciei outro tipo de empreendimento que ainda hoje, dezoito anos depois, tem continuidade: comecei a fazer álbuns descritivos, com fotografias tiradas quer por mim quer pelo meu companheiro e desenhos apenas muito pontuais. Muitíssimo menos exigentes que os anteriores, abarcavam períodos de férias (volumes únicos) e especialmente aqueles pequenos passeios de todo o ano realizados a dois, em família ou inseridos em grupos, mas também exposições e outros eventos que a memória gostaria de um dia recordar.

A esses álbuns chamamos carinhosamente os nossos “Por aí”, uns magníficos auxiliares de memória já com milhares de fotografias e muitas informações adicionais que neste momento ultrapassam os cinquenta volumes (foto acima). O facto de estarem catalogados por data e lugar permitem encontrar sem dificuldade o que se deseja. Também o percorrer aleatoriamente as suas páginas é sempre um delicioso refrescar de recordações e de emoções.

Com as “experimentações” propriamente ditas em stand by, entre 2004 e 2008 tudo o que fiz foi dar continuidade a estes álbuns e fazer os habituais postais/desenhos para oferecer em aniversários e/ou datas festivas a família e a amigos. Nessa altura realmente não precisava de mais nada.

Deixo agora, como amostra, algumas páginas dispersas desses álbuns “Por aí”.

Creio que eles terão continuidade nos meus/nossos dias, enquanto a Vida e a saúde o permitirem.

Boa semana!🍀


experimentações #29

Uma mudança de século talvez seja a forma mais intensa de sentir que o tempo está a passar pelo mundo e por nós. Nessa perspectiva, a passagem para o séc. XXI teve impacto em mim…abanou-me…levando-me a questionar sobre várias vertentes da Vida.

As respostas foram diversas em função das áreas, mas negativa relativamente à minha vertente criativa, pelo que senti que teria que fazer mudanças.

Sabia que não poderia arranjar “obrigações” e, fosse qual fosse o projecto deveria ser algo com princípio, meio e fim de modo a sentir alguma compensação pelo esforço. Nessa altura, para além das obrigações familiares e do emprego ainda fazia trabalhos extra, sendo o tempo livre quase inexistente. Por tudo isto sabia que necessitaria de muito tempo e muita calma para avançar.

Surgiu-me então a ideia de elaborar um livro, com texto e desenhos, centrado nas férias de 2001 que decorreram entre Portugal e Espanha. Nesse ano eu estava com 43 anos, um número que desde criança sempre apreciei e que se revelou na altura um incentivo a avançar.

Partilho convosco a introdução que escrevi nesse livro:

A melhor viagem é aquela em que nos propomos explorar o nosso interior e as nossas capacidades”

Há momentos em que nos surge a vontade ou necessidade de deixar uma marca, um sublinhado, neste livro que vamos escrevendo momento a momento e que é a nossa vida.

Assim como há palavras e frases que não podem ser esquecidas, há momentos que têm de ficar presentes de uma forma diferente e objectiva. Talvez por isso o desejo de “lhes tocar”, de os materializar, como se a memória só por si não fosse suficiente para os recordar.

43 anos!

Uma idade em que preciso de deixar essa marca!

Talvez porque gosto do número, talvez porque me sinto relativamente em paz comigo, talvez por ambos os factos. Apenas sei que o terei de fazer de uma forma minha, íntima, intimista, como se um filho da minha sensibilidade tivesse que nascer.

Preciso de reencontrar essa sensibilidade, sentir que a tenho. Ela tem andado perdida entre muros de rotina, de trabalho, de falta de disponibilidade e de um tempo que eu não consigo agarrar.

Sinto que estas férias, as férias dos meus 43 anos, são um desses momentos. Porque as férias são um tempo em que a vida e o prazer estão a par e em que tudo se torna diferente: os olhos vêem de outra forma, a ternura é mais doce, a natureza mais verde e bonita e todos os pormenores têm um sentido…o sentido da nossa disponibilidade!

Talvez seja o momento certo.

Vou tentar…

Terminado o livro, decidi que também a encadernação deveria ser caseira, mesmo que básica, pois não tinha sentido colocar uma lombada mecânica ou afins em algo tão pessoal.

O resultado é o que hoje partilho convosco, seja o seu exterior (primeira imagem), sejam algumas páginas do seu interior.

A sua concretização revelou-se importantíssima e um forte incentivo a continuar.

O poema que está ao lado da fotografia desta ultima imagem intitula-se A um Girassol e pertence ao poeta chinês Li Bai (séc. VIII d.C). Está integrado no livro A Religião do Girassol, uma antologia organizada por Jorge Sousa Braga e editada pela Assírio & Alvim em 2000.

experimentações #28

Dando continuidade aos dois posts anteriores desta série, diria que outros blocos se seguiram preenchidos com o mesmo tipo de registos “gráfico-emocionais”, como eu gosto de lhes chamar. Inicialmente isso aconteceu com uma certa continuidade, mas amiúde os intervalos foram aumentando e os registos sendo cada vez menos. Até desaparecerem simplesmente.

Não minto ao dizer que nos últimos anos da década de noventa as minhas “experimentações” ficaram reduzidas a postais de aniversário e/ou de Natal para oferecer, e ainda a um ou outro desenho realizado em férias.

A criatividade passou nitidamente para um plano muito secundário, porque outras dinâmicas surgiram na minha vida, nomeadamente a necessidade de fazer trabalhos extra, acompanhar o estudo e crescimento dos filhos de uma forma mais atenta e ainda o início da relação com o meu actual companheiro. Ou seja, muita coisa para me ocupar/preencher… e uma total falta de tempo e de disponibilidade para a vertente criativa.

Em muitos momentos não foi fácil lidar com esse “desligar”…mas era assim, não poderia ser de outra forma e no futuro logo se veria. Diria que a criatividade estava no final da lista de prioridades… mesmo que por vezes bastante intranquila e irrequieta.

E foi assim que cheguei ao século XXI!

experimentações #26

Um pouco em simultâneo com os desenhos que partilhei nos últimos posts, esses ainda realizados em folhas soltas, comecei em 1992 a utilizar blocos como base de anotação de sentires, pensamentos/poesias, mas também de desenhos, recortes, colagens, etc,.

Funcionaram como uma espécie de diário gráfico onde materializava o que me sensibilizava, as emoções que me trespassavam, mas também os sentires sobre o que acontecia no mundo ou sobre manifestações culturais a que assistia. Uma heterogeneidade de modos de expressão que, de certa maneira, funcionaram como um escape num tempo que não foi linear nem fácil na minha vida

Apesar de muitas das folhas desses blocos não estarem datadas, algumas contêm essa referência, o que possibilita uma localização mínima no tempo, mesmo que não seja no dia certo.

Neste e no próximo post desta série, irei partilhar algumas páginas do primeiro desses blocos, datado de 1992. Além de ser o “primogénito”, exteriormente é o mais bonito, o que lhe concedeu um valor acrescentado nesta “colecção” de registos.

(Dia do tiroteio no cemitério de Santa Cruz, em Timor Leste)
Já não recordo a origem destas palavras/frases, daí não poder mencionar o autor/ fonte
Depois de ver uma exposição da escritora e artista plástica portuguesa Ana Hatherly (1929-2015)
E após uma ida ao teatro ver uma peça baseada na obra do artista Hieronymus Bosch
Dulce Delgado
(Colagens, aguarela, lápis de cor, caneta e  tinta da China sobre papel) 

experimentações #24

Tempos mais conturbados na minha vida poderiam ter levado a um afastamento da vertente criativa. Mas tal não aconteceu. Pelo contrário, sendo o momento de trilhar um novo caminho, senti necessidade de fazer coisas um pouco diferentes.

O curioso é que os desenhos que publico neste e no próximo post, tecnicamente exigentes e requerendo muita atenção e cuidado uma vez que muitas das zonas de sombras e relevos foram realizadas com pontos de caneta (e muita paciência também!), serviram para eu perceber que realmente não era isto que queria porque, na essência, eles simbolizavam contenção, controle e a total ausência de espontaneidade.

Contudo, aprecio este conjunto de desenhos como um todo por terem sido únicos e marcarem um tempo de mudança na minha vida. Gosto especialmente do inicial pelo simbolismo que encerra, desenho que há uns anos decidi oferecer a uma sobrinha que o adorava, vivendo desde então feliz em sua casa.

(Dulce Delgado, lápis de cor, aguarela e e tinta da China sobre papel, 1993)

experimentações #21

Não sei a data exacta das colagens que hoje partilho, mas creio que as posso situar entre 1992 e 1993.
A primeira, construída com a estrutura de uma folha, ao representar algo que se quebra/afasta, relaciono-a com uma separação que então ocorreu na minha vida pessoal; e a segunda, ao juntar colagem e pintura estará, tal como a anterior, na linha de outras realizadas naquele período.

A partir de então deixei naturalmente de fazer colagens, seguindo novos rumos nas minhas experimentações. Mas continuo a considerar que são uma técnica muitíssimo interessante, criativa e com imensas possibilidades.
Talvez um dia ainda volte a elas!  

(Dulce Delgado, esqueleto de folha, papel, aguarela/guache e tinta da China sobre papel, 1992/1993?)

experimentações #18

O papel sempre foi o suporte preferido nas minhas experiências criativas. Em muitos momentos não o utilizei apenas como uma base, mas também como intermediário para chegar a algo.

No primeiro desenho, pequenos retângulos de papel foram utilizado como máscara, preservando algumas zonas de receber tinta; no segundo, um papel foi pintado, cortado e posteriormente colado noutro papel de suporte; e no terceiro, temos o exemplo de uma colagem pura, em que todas as formas foram recortadas de folhas de revistas e posteriormente coladas, permitindo um novo contexto e significado.

Gosto muito da versatilidade do papel e do seu fácil manuseio. Tudo se pode fazer com ele desde que haja criatividade e vontade. Até um papel amarrotado tem uma beleza muito própria. Basta pensarmos que duas folhas nunca se amarrotam do mesmo modo, sendo por isso peças e formas únicas que são palco de jogos de luz/sombra sempre diferentes.

(Dulce Delgado, papel, aguarela e tinta da china sobre papel, 1992)

experimentações #17

E as experiências continuaram orientadas pelo acaso, seja dos materiais seja dos gestos. Muita coisa foi parar ao lixo porque passava aquele ponto chamado “possibilidade” e virava borrão. Digamos que sabia quando isso acontecia…mas não sabia minimamente o que procurava.

Hoje, ao olhar para a maioria destes desenhos encontro pontos comuns entre eles. Encontro a vontade de “guardar algo” versus a vontade de dar/partilhar… encontro um desejo de exteriorização que se manifesta por vezes de uma forma um tanto explosiva…e encontro sempre um lado mais luminoso que contrasta com outro mais sombrio. Como sempre acontece na vida, aliás.

Ao elaborar este post e com um pouco de imaginação, achei muito engraçado o facto de percepcionar no canto inferior direito do último desenho duas figuras semi-ajoelhadas e com as mãos no chão… à semelhança de dois atletas que esperam o tiro de saída numa qualquer pista de atletismo para uma suposta corrida.

Uma espera que levou trinta e três anos a chegar ao meu olhar!

(Dulce Delgado, aguarela e tinta da China sobre papel, 1988)