a ponte do meu olhar

O valor que damos a algo é sempre relativo, sendo imenso o que passa despercebido ao nosso olhar enquanto outros alvos são privilegiados por esta transparência que brota de nós. 

A ponte 25 de Abril, que une as duas margens do Tejo em Lisboa, talvez seja a campeão dos meus olhares. Há mais de quarenta anos que descansa na janela da sala onde trabalho e há outros tantos que sob ela passo duas vezes ao dia.

Normalmente mostra bem os seus contornos e elegância, linhas que os nevoeiros surgidos no rio gostam de afagar ou esconder num jogo dinâmico e sensual, ora tapando a base dos pilares, ora os topos, ora tudo. Neste ultimo caso em que ela simplesmente desaparece, gosto de pensar que foi de viagem, que se cansou de estar estática no mesmo lugar há tantos anos…ou então que eu mudei de lugar e outra cidade me recebe! Certo é que, limpa ou envolta em nevoeiro, é sempre bonita e cativante.

Esta estrutura longa e flexível tem uma vida muito própria. Pelas suas entranhas passa um comboio (como se pode ver à esquerda da imagem), um meio de transporte importante na dinâmica dos fluxos de pessoas que se deslocam diariamente entre as duas margens do rio; e no tabuleiro, um tráfego muito intenso ou mais fluido pode, de um momento para o outro, dar lugar a um acidente de onde resulta um humor engarrafado, congestionado e sempre enervante. Por outro lado, mantém uma relação sonora com a cidade emanando um ruído constante, um “vrumm” metálico um tanto cansativo e certamente muito incomodativo para os que vivem perto dela.

Na sua passividade e para além da função de ligação, já foi palco de muitos momentos desde que foi inaugurada em 1966: grandes obras, manifestações, bloqueios, corridas com milhares de pessoas, etc, etc. Já sabe o que é o calor dos passos humanos, do mesmo modo que sabe o que é o desespero dos muitos que decidiram terminar a vida no seu tabuleiro, atirando-se daí ao rio. Com este pensamento, a ponte sempre perde muita da poesia que lhe encontro…

Olhando em seu redor…

…é uma estrutura que tem a seu lado, na margem sul, o Santuário do Cristo-Rei, formando uma parceria inconfundível no perfil da cidade e uma espécie de ex-libris que dá as boas vindas a muitos dos visitantes. No céu, passa sobre eles um dos corredores aéreos de acesso ao aeroporto de Lisboa, percorrido por um constante fluxo de aviões que só a pandemia permitiu travar totalmente. E em baixo, sob a ponte, flui o magnifico rio Tejo prestes a chegar ao oceano e permitindo agora, depois dos trabalhos de despoluição realizados, que muitos golfinhos penetrem diariamente o seu leito e sejam vistos na zona dos dois pilares submersos. Que melhor companhia poderia ter a ponte 25 de Abril?

Os pilares que a sustentam são suporte, mas não só. Na verdade, vale muito a pena ir até ao primeiro em betão implantado no lado norte, em Alcântara, e aí visitar o Centro Interpretativo da Ponte 25 de Abril – Experiência Pilar 7 – inaugurado aquando dos 50 anos desta estrutura. Muito mais do que o interesse do miradouro e do elevador panorâmico que possui, vale imenso pelo percurso expositivo que disponibiliza complementado por meios interativos. E responde a muitas questões que os mais curiosos terão ao olhar para esta belíssima obra de engenharia que resultou do trabalho árduo de muita gente, numa época em que as tecnologias e as questões de segurança era bem diferentes da actuais, facto que levou à morte de muitos trabalhadores em acidentes durante a sua construção.

Publico este divagar no dia de mais um aniversário desta ponte, mais precisamente dos 55 anos após a sua inauguração. Nessa altura, era a maior ponte suspensa da Europa e foi um evento marcante para todos os portugueses. Até para mim, uma criança com apenas oito anos que vivia no Algarve….e que jamais imaginaria que aquela enorme construção seria uma presença constante no seu olhar e, de certa forma, na sua vida.

(Foto captada neste dia de aniversário, logo pela manhã!)

Advertisement

comunicando

Comunicar com quem está perto de nós pode ser fácil (ou difícil…) e fazemo-lo através da voz, do olhar, do gesto, etc,. Mas comunicar à distância pode ser um acto bastante fácil com a panóplia de meios disponíveis que num instante nos levam a qualquer parte do mundo, seja através de um fio ou cabo submarino, seja através de satélite ou de outras formas que eu pouco entendo.

Agora é assim, mas antes não era, sendo que a evolução neste campo foi enorme e continua a ser uma constante….talvez porque o termo “velocidade” impregnou os nossos dias.

Recuando no tempo…

Na minha infância havia um telefone em casa. Porém, quando se pegava no auscultador aparecia uma voz feminina, uma telefonista intermediária que estava na central e a quem se pedia a chamada, sendo ela a fazer a ligação.

Este pequeno texto revela muito bem como evoluímos…

Nessa altura, eu até poderia saber que a voz se transmitia por fios, mas não poderia imaginar que cem anos antes de eu ter nascido já fora instalado um cabo submarino que atravessava o Oceano Atlântico para ligar a Inglaterra aos Estados Unidos e assim permitir as ligações telefónicas entre os dois continentes.

Foi há pouco tempo que percebi a importância e a dimensão desses cabos submarinos que atravessam os nossos mares e oceanos, assim como o papel do meu país nessa matéria em virtude da sua localização. A cidade da Horta, por exemplo, situada na ilha do Faial (Açores), chegou a ser ponto de amarração de quinze cabos da rede telegráfica submarina internacional.

A imagem que se segue mostra a extensão de alguns dos cabos submarinos existentes.

Sobre este assunto e outros relacionados com meios de comunicação, é imensa a informação disponível no Museu das Comunicações (Lisboa), local onde captei as imagens deste post. A segunda e a ultima pertencem à exposição permanente Vencer a distância – Cinco séculos de Comunicações em Portugal e a primeira e a terceira à exposição temporária Cabos submarinos, aí patente até ao final de 2021.

Visitar este museu é fazer uma intensa viagem no tempo, perceber o avanço vertiginoso das formas de comunicar – de todas as formas e de tudo o que lhe está associado – e é igualmente uma viagem por detalhes e memórias da nossa própria vida. Por tudo isso, recomendo vivamente.

Um aspecto da sala dedicada às pequenas obras de arte que são os selos

Neste dia em que se comemora o Dia Mundial das Telecomunicações e da Sociedade de Informação, não poderia deixar de referir este Museu e sobretudo de lembrar que, para chegarmos ao gesto já banalizado de pegar no nosso telemóvel para nos ligarmos ao mundo, foi necessário um caminho complexo, difícil, trabalhoso…mas seguramente genial!

ver com outros olhos

 

expo

 

O meu olhar permite-me ver e com ele preencher de imagens os meus dias. É naturalmente sentido como um dado adquirido, a que apenas damos o real valor quando confrontados com a sua falta ou perante situações em que nos apercebemos da realidade de outros que estão impedidos de o ter da mesma forma.

Ver com outros olhos é o título de uma exposição que resultou de uma parceria entre o Movimento de Expressão Fotográfica (MEF) e a Fundação Calouste Gulbenkian através de um projecto associado à arte, no qual foram convidadas pessoas de várias idades e com problemas de visão (amblíopes e cegas totais), para que registassem em imagens algo que tivesse a ver com a sua vida, vivência, percurso, gostos, sonhos, etc. Alguns conseguiram fazê-lo sem ajuda, outros descreveram a sua imagem e construíram-na com o apoio de outros.

Mais do que apostar na criatividade de pessoas com dificuldade de visão, esta exposição aposta na profunda sensibilidade que revelam, quer na escolha de detalhes quer nos pensamentos partilhados e que acompanham as imagens. A exposição é composta por vários módulos baseados em conceitos diferentes.

Todo o espaço expositivo está preparado para ser percorrido e sentido sem o olhar, impondo-se o táctil e o sonoro. Apesar de saber que “Ser cego não é fechar os olhos”, uma das frases que recordo da exposição, em vários momentos tentei agir como se fosse invisual, ou seja, fechei os olhos e senti/ouvi o que me era apresentado. Só posteriormente os abria e confrontava o que tinha percepcionado com a realidade, o que se revelou uma experiência estranha, diferente, mas muitíssimo interessante.

O olhar é uma forma fácil de nos relacionarmos com o mundo. Quem não o tem, desenvolve a “sabedoria dos sentidos” a partir de uma profunda e dorida aprendizagem nascida das dificuldades. E assim constrói um mundo semelhante ao de todos nós e composto igualmente de alegrias, tristezas, sonhos, devaneios, criatividade, paixões e tudo o mais que possamos imaginar. Mas sem facilitismos.

Esta exposição estará patente na Fundação Calouste Gulbenkian (Piso 0), até ao próximo dia 12 de Novembro e tem entrada livre.

 

José Oliveira, um amigo sempre presente neste blog, não só me alertou para a existência desta exposição, como continua a colaborar com o projecto que levou à sua montagem.
A imagem inicial é uma parte de um cartaz sobre a exposição e foi retirada de  https://irisinclusiva.pt/index.php?oid=3138&op=all
A fotografia original é da autoria de Igilcia Andrade / MEF,

 

 

a procissão

 

a

 

Em Portugal, a primeira procissão do Corpo de Deus (Corpus Christi) decorreu em Lisboa em 1389, atingindo esta celebração o seu auge no séc. XVIII durante o reinado de D. João V. Nessa época incorporava as ordens religiosas, mas igualmente as militares e as corporações profissionais da cidade, reflectindo a organização do reino e, sobretudo, a grande importância da igreja e do rei.

No século seguinte houve um período em que não se realizou, mas foi posteriormente retomada ocorrendo a partir daí anualmente por ocasião do dia do Corpo de Deus, festa do calendário católico que se celebra na quinta-feira a seguir ao Pentecostes.

Desde sempre que o Município de Lisboa se empenhou nesta procissão, tradição que se mantém ainda hoje com a participação no cortejo das principais forças da autarquia.
Deixo aqui a história deste evento, sugerindo a sua leitura para melhor perceber a importância que teve na vida da cidade.

A recriação dessa procissão, através de 1587 miniaturas em barro não cozido, encontra-se actualmente exposta numa enorme vitrina da sala do capítulo do Convento da Graça, no bairro com o mesmo nome.
O autor de tal empreendimento foi o empresário e ceramista Diamantino Tojal (1897-1958), que as elaborou entre 1944 e 1948. Nessa época todo o conjunto esteve exposto no Palácio Galveias, o que não mais se repetiu até à actualidade.

Mais do que a qualidade ou pormenor das peças, esta exposição tem um notável valor documental, pois permite perceber a dimensão e a organização do cortejo. A cargo da imaginação de cada visitante ficará a visualização do que não está recriado, como a multidão que seguia na cauda da procissão ou as ruas completamente engalanadas por onde passava.

A sala onde se encontra esta mostra foi recentemente restaurada, tal como a portaria e um dos claustros do convento, espaços que podem ser visitados gratuitamente. De notar que as miniaturas apenas estarão expostas até ao próximo dia 1 de Outubro.

Também a zona envolvente ao Convento/Igreja da Graça foi requalificada, oferecendo agora mais zonas pedonais. Vale a pena dar uma volta pelo jardim, espreitar a vista do miradouro ou descansar na esplanada aí existente. O bairro da Graça tem muitos detalhes arquitectónicos interessantes, alguns relacionados com as vilas operárias que acolheu no início do século XX e que ainda preserva. Deambular por ele e pelas áreas circundantes, permite juntar o passado com a modernidade que nos é transmitida por algumas pinturas murais realizadas no âmbito da street art.

Termino com uma imagem da cidade obtida a partir do miradouro da Senhora do Monte, localizado a poucas centenas de metros do Convento da Graça. Na foto, este espreita à esquerda e olha para o Tejo e para o seu vizinho castelo, implantado numa colina adjacente.

 

IMG_1127a

 

 

uma família de artistas

 

roq

 

Imaginem uma família de artistas em que o pai, as três filhas e os dois filhos têm como como foco principal a aguarela, uma difícil técnica que todos exploraram de diferentes formas e estilos.

O pai, Alfredo Roque Gameiro (1864-1935), foi um dos mais importantes aguarelistas portugueses, integrando e ensinando desde cedo esta técnica a seus filhos, Raquel, Manuel, Helena, Maria Emília (Mámia) e Ruy.

Segundo ele, a aguarela deveria ser elaborada in loco perante o modelo/paisagem, princípio que ensinou aos filhos e sempre vigorou na família. Seguindo essa linha de pensamento, retratavam-se entre si nas mais diversas situações, mas também no meio da natureza que muito apreciavam. Os passeios e os convívios eram sempre um bom momento para partilharem o gosto pela pintura.

Ministraram cursos de aguarela que eram muito frequentados. Com o tempo, outras áreas artísticas foram exploradas por alguns dos filhos. Foi o caso de Ruy, que veio a dar preferência à escultura, carreira que foi reconhecida na época apesar do seu falecimento precoce. Já a filha Mámia explorou o guache e o óleo. Também os genros que se juntaram à família, se dedicaram inicialmente à pintura com aguarela. É o caso do marido de Helena, o multifacetado Leitão de Barros, que começou pela pintura mas ficou mais conhecido como realizador de cinema; e o marido de Mámia, o artista plástico Jaime Martins Barata, cujo caminho se centrou especialmente no desenho de selos, moedas, ilustrações e pinturas de grande dimensão.

Na passagem do séc. XIX para o séc. XX, a família, que até aí vivia em Lisboa, mudou-se para a zona da Amadora, porque naquela área o horizonte estava longe e permitia ver amplas paisagens, algo que hoje é inconcebível quando pensamos nessa cidade. Foram para um edifício projectado de raiz pelo próprio artista e mais tarde complementado por Raul Lino. Actualmente, a Casa Roque Gameiro está classificada como Monumento de Interesse Público e é um centro de exposições e eventos culturais.

A vida desta família assim como as suas tendências artísticas estão muito bem apresentadas numa exposição que pode ser vista no Centro Cultural de Cascais até ao próximo dia 22 de Março. Vale a pena apreciar a qualidade das obras expostas, especialmente das aguarelas realizadas por Alfredo Roque Gameiro.

Surgindo a oportunidade de aliar esta exposição com um passeio pela vila de Cascais, torna o objectivo ainda mais agradável!

 

 

Imagem retirada de http://www.cm-cascais.pt/evento/exposicao-roque-gameiro-uma-familia-de-artistas