
instantes #59

Entre a tarde e a noite
de um dia de Verão,
a praia fluia
num tempo sem intenção.
Enorme
deserta
maré vazia…
reflexos na areia,
cheiro a maresia!
Templo de gaivotas
em tempo de liberdade,
elas e eu
talvez a felicidade!
Portugal tirita de frio nestes primeiros dias de Janeiro e assim continuará na próximos dias. Ontem, na região de Lisboa as temperaturas variaram entre os 2 e os 9 graus Celcius, valores que o vento tornava ainda mais desagradáveis.
De regresso a casa, um céu intenso de fim de dia pedia uma fotografia, registo que aconteceu no lado oriental da Praia do Dafundo, localizada entre Algés e a Cruz Quebrada. Muito bem agasalhada mas apesar disso sentindo algum desconforto apreciei o momento com aquela boa sensação de sexta-feira à tarde e de véspera de fim-de-semana.
Deambulava o olhar por ali, quando de repente tive a maior surpresa do dia tendo em conta a temperatura que se fazia sentir: alguém tomava banho na praia!
Um arrepio percorreu o meu corpo enquanto a curiosidade fotográfica não resistiu a captar o que via, apesar da distância a que me encontrava.
Saindo da água estava uma senhora revelando uma enorme segurança corporal e confiança de gestos. A harmonia entre os tons do fato de banho e os sapatos era evidente, detalhe que achei maravilhoso dado o contexto. Depois, já no areal, limpou-se com a toalha e vestiu-se, seguindo depois caminho ao lado de um companheiro, esse sim vestido mais de acordo com o dia.
Entretanto, uma gaivota solitária continuava a vaguear à beira-mar….
E eu regressei ao carro e ao conforto de casa, envolta em vários pensamentos…
…a postura de segurança e confiança demonstrada por aquela mulher só poderia resultar de um gesto já conhecido e talvez habitual, sendo provavelmente uma daquelas pessoas que tomam banho de mar durante todo o ano, seja qual for a temperatura…
…tudo é relativo nesta vida. O que para mim e para uma grande maioria seria simplesmente inconcebível, para outros pode ser perfeitamente normal…
…se fosse um jovem a estar ali, talvez eu não ficasse tão surpresa com o facto. A surpresa maior foi o perceber que a idade daquela senhora não estaria muito longe da minha…
….e que eu nunca estaria ali!
…contudo, senti uma profunda admiração por aquela mulher, seja pela segurança e coragem demonstrada, seja por fazer uma escolha tão fora dos meus limites e da ideia que eu tenho de prazer para um dia muito frio de Inverno…
…e ainda por reforçar de uma forma muito objectiva aquela ideia que os “limites” devem ser uma fronteira ténue e suficientemente permeável aos limites, necessidades e opções das partes envolvidas. Na verdade, não há razão para o contrário desde que haja respeito, tolerância e aceitação mútua.
Já em casa, bebi um chá bem quente para aquecer o desconforto do dia. E pensei…estará ela fazer o mesmo para aquecer? Apreciará este gesto?
Amiúde as gaivotas pousam naquele lugar para descansar ou, quem sabe, talvez pensar nas vicissitudes da sua vida.
Raramente observo interacção entre elas, mas neste dia as movimentações do corpo e do olhar destes dois exemplares eram tão humanas, que um diálogo estava certamente a acontecer. Entre a decisão de registar ou não o momento e o tempo de ir buscar a máquina fotográfica passaram alguns segundos. Quando voltei à janela ainda consegui captar estas duas expressivas imagens, detalhes a que a minha imaginação rapidamente “legendou” com três mini-diálogos, entre tantos outros possíveis…
– Amor, vou buscar um peixinho para o nosso almoço!
– Que bom! Tem cuidado e volta depressa!”
– Esqueceste-te novamente do que te pedi? Estou farto(a) Vou dar uma volta!
– Oh, desculpa…
– Queres ou não queres ir? Decide-te!
(silêncio… e mais silêncio….)
– Parece-me que não queres… então até já!
…………………..
Em conclusão:
Tendo por base apenas o olhar, uma mesma situação pode ter várias leituras, algumas até com sentidos opostos.
E o mais provável……é que nenhuma revele realmente a verdade!
Levantam e pousam
as jovens gaivotas
na superfície do mar.
Aprendizes do vento,
da liberdade
da sobrevivência
e da vida,
repetem ruidosamente
esse jogo de crescimento.
Mas tudo na vida tem o seu tempo.
É ainda nos pais
que procuram o alimento,
num estranho ritual
de sons
de movimentos
e disputado entre irmãos
de modo agressivo
e turbulento.
A vida e a natureza
entrando pelo meu olhar,
pura
dura
real,
mas sempre,
sempre a me cativar!