Ramón Gómez de la Serna é um autor madrileno nascido em 1888, que escreveu em vários estilos, passando pelo romance, crónicas, ensaios, biografias, etc. Chegou a viver algumas temporadas em Portugal, no Estoril, falecendo em 1963 em Buenos Aires. Era um homem que vivia à frente do seu tempo, um vanguardista, mas também um provocador, muito apreciado pelos surrealistas.
Para além dos estilos mencionados, entre 1910 e 1963 escreveu inúmeras frases a que chamou Greguerías, algo que mistura a metáfora com o humor. Porque as aprecio pela acutilância mas também pela sensibilidade e humor, deixo aqui uma pequena selecção, esperando que vos agrade.
A lua é o espelhinho com que o sol se entretem de noite a inquietar os olhos da terra.
A harpista toca a música do tear.
À tardinha, passa em voo rápido uma pomba que leva a chave para fechar o dia.
Três andorinhas no fio do telégrafo são o alfinete no decote da tarde.
O que define as mulheres é pensarem que todos os homens são iguais, enquanto que o que perde os homens é crerem que todas as mulheres são diferentes.
A neve apaga-se na água.
O relógio não existe nas horas felizes.
As passas são uvas octógenárias.
O arco-irís é o cahecol do céu.
O pó está cheio de velhos e esquecidos espirros.
Na gruta boceja a montanha.
Vê-se que a água a ferver ficou louca e lhe saltam os olhos.
A cabeça é o aquário das ideias.
A imortalidade do caranguejo consiste em andar para trás, rejuvenescendo até ao passado.
A água solta o cabelo nas cascatas.
O mar é a rotativa mais antiga do mundo que publica incessantemente o jornal A Onda.
O chapéu que voa parece que fugiu com todas as ideias daquele que lhe corre atrás.
No primeiro eléctrico da manhã ainda há sonhos do dia anterior.
A posição mais incómoda para um livro é ficar aberto e de bruços no braço de um sofá.
Há suspiros que ligam a vida à morte.
Quando na árvore só ficou uma folha, parece que ficou com a etiqueta do preço.
O salgueiro toca harpa na água.
O Pensador de Rodin é um jogador de xadrez a quem tiraram a mesa.
Génio: o que vive de nada e não morre.
(Todos os dados deste post foram retirados do livro Greguerías, uma selecção, editado em 1998 pela Assírio & Alvim, com escolha e tradução de Jorge Silva Melo).