virgílio ferreira

Por norma prefiro lembrar/recordar alguém tendo por base a sua data de nascimento e não a do seu falecimento. Permite-me uma perspectiva mais luminosa. Hoje de manhã porém, ao virar a página do almanaque Borda d’água para o mês de Março, verifiquei que neste primeiro dia se invoca a morte de Virgílio Ferreira (1916- 1996), um escritor e professor português que deixou uma vasta obra para a posteridade.

E pensei “Curioso, ainda não o levei a passear ao Discretamente! Hoje será o dia!”

Fui então à prateleira onde tenho alguns dos seus livros e tirei o que seria mais simples de partilhar pois, sendo de pensamentos, quando o li marquei lateralmente a lápis aqueles que mais me agradaram.

Passei os olhos pelas suas páginas e logo surgiu a dúvida sobre o que escolher, dada a diversidade e a dimensão dos excertos com anotação. Decidi de imediato que optaria apenas pelos mais curtos – no máximo com cinco ou seis linhas – o que à partida reduziu bastante o leque de possibilidades.

O livro em causa tem por título Pensar, é composto por 677 textos/pensamentos com um número de ordem associado a um indíce remissivo e foi terminado em Maio de 1991, portanto cinco anos antes do falecimento do autor. Este exemplar que possuo é uma 3ª edição da Livraria Bertrand, datado de 1992 e tem uma complexa introdução do próprio Virgílio Ferreira a que deu o titulo “Do impensável”

Certo é que a maioria destes pensamentos, concordando nós ou não com eles, sempre nos levam a pensar!

  • Não penses que a sabedoria é feita do que se acumulou. Porque ela é feita apenas do que resta depois do que se deitou fora. (32)
  • Entra pela janela o rumor da avenida. E do parque entre os prédios, um músico ambulante toca o seu saxofone. É um som volumoso, oco, tem no final vibrações melodiosas. É uma música nostálgica, de uma lentidão genesíaca. E a toada sobe por entre o rumor do tráfego. E paira ao alto como uma estrela. (42)
  • Chora aos berros como as crianças até te estafares. Verás que depois adormeces. (56)
  • Disseste ou escreveste muitos milhões ou muitos milhares de palavras. E deve haver nessa nebulosa uma estrela que seja tua. Não o saberás nunca. (73)
  • A razão é um elástico. Vê se consegues não a esticar muito para não rebentar. (92)
  • Morrerás em breve. É incontestável. E quanta verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres tido a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima. (134)
  • Falar alto para quê? Poupa as forças, fala baixo. Poderás talvez assim ser ouvido ainda, quando os outros que falam alto se calarem de estoirados. (146)
  • Sol bonito, deixa-te estar. Andaste nestes dias todos na vadiagem nefelibata, vieste enfim. Não te vás. Sol português, tens as tuas obrigações para com a nossa identidade nacional, não nos deixes à mercê de um polícia que nos pilhe sem identificação. E ficas bem, deitado no tapete como um cão luminoso…(202)
  • A luz, o mar, o vento. E as flores, os animais, a vida inteira. Não te apetece gritar? Explicar tudo isso num grito? Num excesso do excesso? (244)
  • O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo. (337)
  • Não ouças só as palavras que ouvires, ouve-lhes também o silêncio, se o tiverem. Porque há tanta variedade de silêncio. O da cólera, da expectativa, do êxtase, da ameaça, da suspeita, de. Ouve. Ele te dirá decerto mais do que as palavras, que são só a sua manifestação, a face do seu aparecer. Mas há silêncios que não têm aparecer. Ouve, atende. São os que não cabem nos dicionários do mundo. Não tentes dizê-los. O mistério não se diz. (354)
  • O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos – é não termos já mesmo perguntas. (403)
  • Não te queixes muito da rotina. Ela é o sucedâneo, mais à mão, da eternidade. (429)
  • Há uma criança em ti que te acompanha sempre. Mantém-na em disciplina para não cometer disparates. Mas não te envergonhes muito dela, atende-a de vez em quando. Porque quando ela te não acompanhar, só já te resta morrer. (443)
  • Pois, A emoção é decerto uma forma de se subir mais alto. E quando se cai, de se cair de mais alto. Aprende a serenidade. Porque mesmo que caias, não te magoas tanto. (454)
  • Quantas pessoas te amaram? Quantas amaste? O afecto é a melhor forma de saberes o tamanho da tua vida. Ou seja, do até onde exististe. Haverá outro balanço para saberes se ela valeu a pena? (471)
  • Não há amor como o primeiro, mesmo que esse primeiro seja o último. (483)
  • Num quarto escuro não se pode ver nada. Não o digas. Sê humilde e responsável. Num quarto escuro podes ver a escuridão. (509)
  • No amor nunca os pratos da balança estão equilibrados. E como a essência do amor é etérea, quem pesa mais é quem ama menos. (671)

O último pensamento deste livro (677) resume bastante bem a dinâmica e o questionar do autor sobre o seu próprio pensar:

  • Minha imaginação doente. Meu pensar de loucura. Porquê a obsessão de entender o que não tem entendimento possível? Porquê a obsessão de ter de haver uma resposta, apenas porque houve uma pergunta? Todo o entender é no impossível que tem o seu limite. Mas o impossível é a medida do homem e da sua vocação. Aí sou. Aí estou.

Este não é um post fácil nem linear. Tal como a Vida e o Pensar também não o são!

Imagem retirada de   https://cm-sintra.pt/todas-as-noticias-arquivo/100-anos-do-nascimento-de-vergilio-ferreira

 

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o outro lado…

mundo - ultima - Cópia

 

Não quero revolta
ou raiva
em meu sentir,
não é o caminho a seguir!

Mas ela espreita…
toca a pele
belisca o acreditar
sufoca o respirar
aperta o coração.

Reajo.

Reajo ao frio desumano
que aqui
ali
e além
mostra o lado negro do poder
e tamanha indiferença
pelo humano sofrer.

Não,
eu não quero esse sentir
negativo
em mim…

…mas questiono…

…o que dou eu ao mundo
com este discreto pensar,
e com este olhar de imaginação
e contemplação
por ondas
céu
natureza
ventos
areia
ou ar?

É algo parecido com paz…
…ou um egoísmo sem par?

 

(Dulce Delgado, Dezembro 2019)

 

 

(Imagem composta por detalhes de fotografias retiradas de diversas páginas da Internet)

 

 

 

 

esquecida mente

 

mente

 

Para um estranho recanto da mente
foge aquele nome
ideia
ou palavra
não presente.

Hábeis e sorrateiras
espreitam
e fazem cócegas ao pensar,
tocam a nossa pele…
…e debaixo da língua parecem estar!

Raramente aparecem
no desejado momento,
mas depois
e de repente,
quando a nossa esquecida mente
relaxar…

…e nelas já não pensar!

 

(Dulce Delgado, Outubro 2019)

 

 

 

 

instante

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De instantes se faz o tempo…

Será o instante um fragmento,
um tijolo no muro do tempo…
…ou o cimento que o agrega?

Tudo é instante…

Ele é sopro e respirar
sorriso e olhar
dor
palavra
gesto
pensar…
…e o sim ou o não
que saem sem hesitação!

É o sentir que se foi
o som ouvido silêncio
o pensamento que se desvaneceu
a palavra que calamos
o gesto que recuou
o tempo que ao lado passou
o presente…

…o agora…

 

…já foi!

 

 

(Dulce Delgado, Setembro 2019)

 

 

 

 

de regresso… IV

 

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Sendo a natureza a vertente que mais prevalece no momento de planearmos férias, não poderia terminar este conjunto de posts sem partilhar esse sentir de uma forma mais concreta.

Não foi fácil fazer uma selecção de imagens porque cada lugar revelou detalhes que facilmente atraíam a atenção e a máquina fotográfica. Mas a escolha foi necessária, sendo provável que, mais cedo ou mais tarde, as não escolhidas apareçam noutros contextos e temáticas. Afinal a natureza é uma contadora de histórias, pelo que cada detalhe que ela nos oferece é um mundo que se abre ao olhar e à imaginação.

Começando pela imagem inicial…

…estamos perante um fruto, incógnito e sem sementes descansando em terreno infértil, algo que só por si teria potencial para uma divagação. Mas não me posso perder…

Aquelas sementes estarão algures, já germinadas ou ainda dispersas no solo. Foram levadas pela água, pelo vento ou serviram de alimento a uma ave. Num tempo indeterminado, outras sementes iniciaram um ciclo de luta e sobrevivência, de cooperação e exploração, de partilha de vida e de beleza, seja através dos seus troncos…

 

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…ou da aparente fragilidade dos outros elementos que as formam, como as folhas, as flores ou os frutos.

 

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Sendo a água imprescindível na sobrevivência de todas as espécie, ela corre, escorre, afaga, penetra, alimenta e deslumbra… como fonte de Vida e como fonte de prazer, consoante os contextos.

 

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Com vegetação e água, naturalmente a vida animal surge perante o nosso olhar. Em sons e silêncios, movimentos e relações, cor, beleza, ternura e encanto…

 

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E assim, com esta imagem de uma andorinha em voo sobre o rio Tua, fotografia que gosto imenso e que foi captada pelo meu companheiro de vida e de aventuras Jorge Oliveira, termina esta série de quatro posts sobre um tempo de férias com energia e sabor lusitano. Espero ter conseguido transmitir um pouco desse sentir.

Este post especificamente, publicado num tempo crucial, difícil e de enorme importância para a natureza e para este planeta que nos recebe, é apenas um pequeno contributo para o respeito e para a atenção que ambos nos merecem. Mais não seja porque o olhar e a beleza também nos alimentam o pensar.

Desejo a todos uma boa semana!

 

 

as voltas da mente…

 

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Penso…
nisto
naquilo
no além…

Para quê pensar
aqui,
neste lugar?

Ajuda o meu respirar?
Melhora o meu olhar?
Impede o dia de terminar
neste tão belo lugar?

Não!

Então,
hoje não quero pensar,
mas apenas estar
aqui,
a apreciar!

Quero…mas não consigo…

…porque a mente abre o postigo
salta do escuro abrigo
e começa a saltitar,
aqui,
em mim
no fundo do meu olhar
a desfocar o sentir
e a paz deste lugar!

Talvez…
…pôr a mente de castigo?

 

 

(Dulce Delgado,  Setembro 2018)

 

 

 

porque não?

 

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Diz-me o pensar
para não olhar,
por ser desagradável
o que pode encontrar.

Mas ele teima
em procurar
nos meandros da realidade,
um recanto sem encanto
onde apenas depositar
um sentir
doce e de paz,
desejoso de germinar,
crescer,
e de algo transformar.

Será ilusão
este estranho acreditar
que resiste ao pensar?

Será ilusão
este sopro de silêncio
sentido no coração?

Talvez sim…
…talvez não…

Então…
…porque não apenas tentar?

 

 

(Dulce Delgado, Junho 2018)