arte e paciência

As duas formas artísticas que hoje partilho têm em comum a imensa paciência que exigem aos seus criadores.

David C. Roy, um adepto da arte cinética, trabalha essencialmente no interior, compra provavelmente os materiais que precisa e terá excelentes conhecimentos de física/mecânica para construir as suas obras com uma precisão milimétrica

Jon Foreman, sendo um artista da natureza, depende dos ritmos e dos materiais que esta temporariamente lhe disponibiliza e terá certamente excelentes noções de perspectiva e geometria para construir as suas obras.

Se a a primeira forma de arte mexe sobretudo com a minha curiosidade pela precisão de relojoeiro que revela, já a segunda toca na minha sensibilidade pela beleza dos lugares escolhidos, pelas formas desenhadas/esculpidas, pela perfeição nas perspectivas e por criar universos tão diferentes da realidade que nos habita.

Admiro imenso a beleza de uma pedra solitária num areal ou de algumas folhas de Outono caídas aleatoriamente num qualquer lugar. Gosto daquele pouco que diz imenso e da simplicidade que transcende a quantidade. O meu olhar gosta realmente do mínimo, do simples. Porém, isso não me impede de apreciar o contrário quando impera a ordem ou a quantidade funciona como um todo uno e indivisível, como acontece nas obras de Jon Foreman.

Quando observadas a uma certa distância, estas “pinturas/esculturas” são pontos que se destacam na imensidão da natureza. O detalhe que está na sua génese passa para um plano secundário e tornam-se em algo completamente diferente. Gosto dessa duplicidade para o olhar. E gosto ainda mais da ideia de serem materiais emprestados pela natureza, que logo voltam a ela e ao processo erosivo e de degradação natural.

David C. Roy e Jon Foreman são dois artistas de áreas completamente diferentes… mas ambas extremamente exigentes em paciência. Vale a pena explorar os links acima – direccionados para os seus sites – pois permitem ficar com uma ideia mais ampla do trabalho de cada um.

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nevoeiros…

Nos últimos dias a zona ribeirinha de Lisboa não viu o sol matinal. Cobria-a um denso e cinzento banco de nevoeiro que apenas deixava visíveis os topos da Ponte 25 de Abril e do Cristo-Rei.

Sempre que tal sucede, de caminho para o trabalho penetro nessa massa que aí se adensa. Hoje mais uma vez isso aconteceu…. e eu mais uma vez levei o corpo e os pensamentos a passear pelo nevoeiro…

Individualmente ou como parte da sociedade, na vida de todos nós surgem momentos complexos, seja porque nos “enganamos” no caminho, seja porque as circunstâncias exteriores se alteraram bruscamente e nos afectam. Como por exemplo, a crise pandémica que estamos a viver. Naturalmente surge a indefinição, a confusão, o receio e amiúde a falta de perspectivas, por vezes o mais difícil de lidar.

Perante o nosso olhar esbatem-se os caminhos, as ligações, pontes e soluções. Tudo é neutro, de uma “beleza” neutra que nem sempre conseguimos compreender.

Na verdade, o que era dado como certo e quase inquestionável pode, de um momento para o outro desaparecer, alterar-se, entrar em rotura, esfumar-se. Tal como desapareceu no denso nevoeiro, metaforicamente falando, a Ponte 25 de Abril, o ex-libris desta zona ribeirinha de Lisboa e que num dia normal estaria presente na maioria das imagens que se seguem.

Como resposta, é fundamental não perder as referências interiores e algumas exteriores, porque elas sempre existem, mesmo que perdidas nos meandros dos imprevistos e dos “nevoeiros”.

Há que acreditar, continuar a caminhar, fixar objectivos, rever perspectivas e, se necessário, “correr” um pouco mais, mesmo que mais devagar. Eventualmente ter a humildade de pedir ajuda se o cansaço e a desorientação for demais. E ter fé, seja em que tom for essa fé.

Este nevoeiro, tal como os nevoeiros da Vida sempre se dissipam. Porque o sol está lá e aparecerá. Assim como surgirão as respostas, os caminhos e até as pontes, seja as que ligam margens de rios, que nos ligam a nós próprios ou as que nos mantêm ligados ao mundo.

Assim é a Vida, entre margens e em nós. Tal e qual.

experimentações #4

 

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A leitura do ensaio Elogio da mão da autoria do Historiador de Arte Henri Focillon foi tão marcante no final da minha juventude que me levou a fazer algumas colagens baseadas em frases do seu conteúdo. Também me interessou a perspectiva de outros autores que escreveram sobre estas incríveis ferramentas que nos ligam ao mundo e a que raramente damos o devido valor.

Partilho algumas das colagens então realizadas, uma técnica que me cativou imenso pelas suas potencialidades e a que recorri posteriormente em vários momentos criativos.

 

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(Dulce Delgado, colagens em papel, 1981 (?)

 

 

 

 

experimentações #3

 

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A exploração do movimento e da perspectiva foi algo a que pacientemente me dediquei durante um certo período nos idos anos setenta.

Estando ainda centrada quer no preto e branco quer nas figuras geométricas, esses valores foram relativamente conseguidos através da alteração de dimensão das linhas/formas, assim como dos espaços existentes entre elas.

 

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#3 fev 77a

 

 

(Dulce Delgado, tinta da china sobre papel, 1977-1978)

 

 

 

 

 

experimentações #1

 

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Pegar num papel…verter sobre ela tinta-da-china preta… e deixá-la escorrer, brincando com o papel…

 

Não sei datar esta experimentação, mas tem seguramente mais de quatro décadas. Ela é importante porque simboliza o espírito do “vamos ver o que dá”, sem objectivos, ideias ou qualquer mensagem latente a não ser explorar o momento, os materiais, as formas e a dualidade preto-branco.

Durante um certo tempo o preto foi a escolha na exploração de formas e perspectiva, como mostrarei brevemente num post desta série.

 

 

(Dulce Delgado, Janeiro 2020)

 

 

 

 

 

perspectivas

 

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A corda revela
…força… presença…ser… estar… matéria… corpo… espaço que se ocupa… realidade… consistência… objectivos…

a sombra
…ausência de luz… não presença… vazio… o que não se mostra… obscuridade… cegueira…indiferença… o lado mais negro…

o reflexo…
…influência… imagem… desejo escondido… o que não é físico… luz interior… esperança… irrealidade… sonho… ilusão…

 

Três perspectivas que fazem parte da Vida de cada um de nós…perspectivas que ora confluem, ora divergem, ora se equilibram ou desequilibram…

…e que, simbolicamente, estavam ali perante o meu olhar…num passeio à beira-mar!