fevereiro

Neste belo recanto europeu
Fevereiro chegou num dia frio e soalheiro.

Bem cedo, em lazer ou a trabalhar
uns seguiam por terra e outros viajavam no ar.

O frio não impediu um madrugador passeio sobre as águas do rio,
seja num cansativo remar… seja num paciente pescar.

Ora tranquilas ora irrequietas
as gaivotas não darão pela recente chegada,
será apenas mais um dia…para uma boa banhada!

Na marina de Belém
barcos, mastros e cordas vibravam com o vento,
talvez sonhando com um tempo capaz de libertar…e de os levar a navegar!

E esta,
que discretamente vos escreve
aproveitando as possibilidades que a manhã sempre oferece,
escolheu saudar Fevereiro com um fresco respirar
e fazer estas fotos…

…antes de ir trabalhar!

Ou seja, aproveitemos os dias…os meses…e a Vida! 🤗

Advertisement

eugénio de andrade

Neste dia em que se comemora o centenário do nascimento do escritor Eugénio de Andrade (José Fontinhas /1923-2005), não posso deixar de o referir no discretamente uma vez que gosto bastante da generalidade da sua obra.

Muito se falou hoje sobre ele nos meios de comunicação nacionais, pelo que não me irei alongar. Pretendo apenas partilhar alguns poemas, neste caso seleccionados de um dos livros da sua autoria que tenho e que tirei ao acaso da estante. A sorte recaiu em Obscuro Domínio, uma edição da Editora Limiar datada de1986. Qualquer um dos outros seria também uma boa opção, pois todos têm poemas que gosto.

Espero que apreciem!

O SILÊNCIO

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

ARTE DE NAVEGAR

Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e a minha mão marinheiro.

NAS PALAVRAS

Respiro a terra nas palavras,
no dorso das palavras
respiro
a pedra fresca da cal;

respiro um veio de água
que se perde
entre as espáduas
ou as nádegas;

respiro um sol recente
e raso
nas palavras
com lentidão de animal.

PLENAMENTE

A boca,

onde o fogo
de um verão
muito antigo

cintila,

a boca espera

(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)

espera o ardor
do vento
para ser ave

e cantar.

VAGUÍSSIMO RETRATO

Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser –

se a luz é tanta,
como se pode morrer?

EM LOUVOR DO FOGO

Um dia chega
de extrema doçura:
tudo arde.

Arde a luz
nos vidros da ternura.

As aves,
no branco
labirinto da cal.

As palavras ardem,
a púrpura das naves.

O vento,
onde tenho casa
à beira do Outono.

O limoeiro, as colinas.

Tudo arde.

Na extrema e lenta
doçura da tarde.

 ESTRIBILHOS

No interior da música

o silêncio
que regaço procura?

Que interior é esse

onde a luz
tem morada?

E há um interior,

assim como o caroço
dentro do fruto?

E como entrar nele?

É como num corpo?

ENTRE DUAS FOLHAS

Encostado à noite
sobe de mim
a haste
que recusa a flor
e procura um pássaro
para amanhecer –

o trigo é alto
e entre duas folhas
pode-se morrer.

(A imagem inicial  é parte integrante do artigo da autoria do jornalista Pedro Dias de Almeida editado ontem (18(01/23) na revista online Visão Se7e)

21 março

Toda a árvore
revela a criatividade
da Natureza,
escrevendo no céu
ou na terra,
poesia
de imensa beleza!

E nós,
árvores sem raiz
e com sangue em vez de seiva,
temos o dom de olhar
criar
desenhar
escrever
fotografar
poetizar…

…e gratos,
essa beleza
depois partilhar!

(Dulce Delgado, lembrando este dia 21 de Março como o Dia Mundial da Árvore e da Floresta…Dia Europeu da Criatividade Artística…Dia Mundial da Poesia…)

experimentações #30

A gratificante experiência com o livro que partilhei no último post desta série, teve continuidade em 2002 através do registo de uns dias de férias passados no Parque Natural do Douro Internacional e especialmente na província espanhola da Galiza.

Na concepção deste livro o desafio foi bem maior porque decidi que o texto seria essencialmente em poesia. Curiosamente recordo que não me foi nada difícil essa parte, porque tentei não valorizar demasiado a rima relativamente ao que queria transmitir. É claro que os desenhos não poderiam faltar, pelo que cada página ficou com um registo associado ao seu conteúdo.

Entretanto, estava o livro em curso quando no dia 13 Novembro 2002 a costa da Galiza sofreu os efeitos de uma enorme maré negra causada pelo petroleiro Prestige, o que para mim foi um choque profundo pois tinha adorado todos os momentos passados nessa área costeira poucos meses antes.

Então parei com o livro pois não estava a conseguir dar-lhe continuidade, sendo que durante algum tempo nada fiz e estive mesmo para desistir. Este facto explica quer as palavras da imagem acima e presentes no início do livro, quer as palavras da imagem que se segue e que estão inseridas na ultima página desse registo.

Objectivamente, fui capaz de sublimar essa “dor” transformando-a em trabalho, persistência e assim terminar o projecto.

Hoje partilho convosco algumas das páginas dessa parceria entre palavras e desenhos, e a que sempre associo um imenso rol de emoções.

Quase vinte anos passaram sobre a realização deste livro de férias e, apesar da vontade de voltar à Galiza ser real porque adoramos aquela região, ainda não surgiu uma nova oportunidade.

Talvez isso ainda aconteça um dia, sabe-se lá. Mas é grande a probabilidade de não encontrar alguns detalhes que me ficaram na memória…

a palavra dos outros

Há alguns anos ofereceram-me estes dois livros de poesia de um autor que então desconhecia. Os seus títulos, extremamente belos e sugestivos, logo me encantaram ainda antes da leitura.

Gosto imenso da simplicidade como Carlos Frias de Carvalho descreve o que o sensibiliza ou imagina, mas sobretudo a forma como relaciona todo esse sentir com a natureza e os seus elementos

São vários os livros que este autor tem editados, a maioria com títulos igualmente atraentes como é o caso de No vôo do silêncio, No Umbral da sombra ou ainda Por vezes prende-me um verso.

Partilho hoje alguns poemas deste autor, esperando que os apreciem tanto como eu.

Do livro Espelho de vento, editado pela Arcádia com chancela da Babel (2013)

ave do tempo

pudesse eu ser
num só momento
linha do céu
ave do tempo

aragem

levas apenas
vogais redondas
aromas de ar

tudo tão perto
quase ao alcance
de um breve olhar

fio de aragem

às vezes basta
um fio de aragem
para uma flor
ser a viagem

pelo sítio mais tangível

pelo sítio mais tangível
do meu ser
passaste

e sem pousar
deixaste
a alma a estremecer

o trilho do poema

só no vento
eu invento
talvez o trilho

do poema
que me foge
antes do tempo

E do livro Luz da água, também editado pela Arcádia com chancela da Babel (2010)

cicatriz da água

na penumbra dos teus olhos
há uma cicatriz da água

a flor do musgo
aberta
nas dobras do silêncio

a luz da nascente


no canto
eu pressinto

a luz
que brota
da nascente

o mar dos teus olhos

bebi o mar nos teus olhos
sem saber que ali nascia
todo o esplendor

– que em tua boca
eu morria
só por amor

no espelho de água

no espelho
de água
me revia
noite e dia

em cada onda

à luz do dia

na flor
mesmo aberta
se escondia

o amor
que só desperta
à luz do dia

Antes de terminar, gostaria ainda de partilhar alguns dos desenhos de extrema simplicidade incluídos neste ultimo livro. São da autoria do artista plástico José Lourenço e creio que formam uma bela parceria com o “minimalismo” presente nos poemas deste autor.

pelo mundo das letras…

Inquieto,
deambulava o P
pelo mundo das letras
da escrita
e da aventura.

Num atalho encontrou o O
e logo a seguir o E,
o que gerou confusão
no momento de decidir
qual a ordenação
deste trio em formação.

As hipóteses eram demais…
…mas a personalidade do P
não era de subestimar,
decidindo com firmeza
que POE seriam
no futuro caminhar.

E assim continuaram.

Mais à frente
ouviu-se um forte suspirar…
…era um S
triste
e muito carente,
desejoso de encontrar
alguém a quem abraçar.

Com ternura no olhar
o E deu-lhe um forte abraço,
fazendo-o logo sentir
que finalmente encontrara
um lugar onde ficar.

E como POES seguiram…

…até num recanto avistarem
um ditongo a namorar
com fulgor e ousadia
em plena luz do dia.
Era o IA!

De imediato perceberam
a forte emoção
que esse par lhes traria,
pois juntos seriam corpo,
alma
acção
e uma imensa energia!

Logo entendeu o IA
o apelo vibratório
que o POES lhe fazia,
e o forte potencial
que a situação traria
a todos na vida real.

Tomada a decisão
o ditongo avançou
e ao S se agarrou…

…com tão forte a atracção…

…que num acto de magia
a palavra ganhou asas
e nasceu a POESIA!

(Poema e desenho de Dulce Delgado)

palavras encontradas

É raro o dia da semana em que não subo a grande escadaria que liga a Av. 24 de Julho ao Largo 9 de Abril em Lisboa, sendo este último espaço ocupado pelo acolhedor jardim que fica entre o Museu Nacional de Arte Antiga e a Sede da Cruz Vermelha Portuguesa. São cento e tal degraus que normalmente imponho a mim própria subir com algum ritmo a fim de fazer um pouco mais de exercício e estimular o ritmo cardíaco.
Pontualmente faço-o com mais calma, seja para apreciar a vista sobre o rio, por estar mais cansada, ou simplesmente porque me apetece ir devagar e olhar… olhar…e olhar…

E foi num desses dias mais tranquilos que me apercebi de uma frase escrita no lancil de um degrau. E depois de outra, lá mais à frente. Então no dia seguinte, com o interesse bem desperto e de máquina fotográfica na mão, calcorreei os três lances duplos que compõem esta grande escadaria com o intuito de encontrar outras frases. E encontrei, não sei se todas, pois na verdade são pequenas e estão discretamente colocadas. E algumas estão repetidas.

Desconhecendo há quanto tempo ali estariam, logo me questionei sobre a sua resistência (ou efemeridade) perante a água da chuva. Dias depois tive a resposta ao verificar que se mantinham íntegras após a passagem de um forte temporal sobre Lisboa. Actualmente estão apenas um pouco desbotadas e uma delas foi vandalizada/raspada, estando ilegível.

Obviamente que a fase seguinte foi procurar a sua origem. Conclui que @voz_carmesim é a “voz” de uma poeta que se chama Mari e é oriunda de S. Paulo, Brasil. Reside em Lisboa e no Instagram descreve-se como “Poeta com sede de gente e fome do mundo”.
No seu site é possível saber um pouco mais e ainda que intitula a sua poesia como quântica.

Eu não sei o que é “poesia quântica”… e sou extremamente crítica dos graffitis absurdos que abundam por aí… mas adorei a ideia de encontrar estas frases no chão daquela escadaria de todos os dias.

Se a ideia só por si já é poética…seja por ser inovadora, discreta ou simplesmente pelo gesto que lhe deu origem, estas frases foram sentidas por mim como pequenos tesouros escondidos e descobertos…como aqueles ovos que as crianças encontram na época da Páscoa…

E gostei especialmente de imaginar o momento em que foram ali depositadas. Em que uma mulher segurando um marcador waterproof se deliciou a escrever em recantos desta enorme escadaria, frases poéticas e intemporais……mas resistentes e sobreviventes a temporais!

São encontros invulgares que aquecem os nossos dias, e sobretudo, que nos recordam a importância de sair do comum, da rotina e do previsível.