experimentações #14

Na década iniciada em 1980 as “experimentações” centraram-se nas emoções e na Vida.

Para além de ter casado, decidi que a profissão de Terapeuta Ocupacional não era realmente para mim e enveredei para um ramo profissional completamente diferente e associado à conservação e restauro de obras de arte. Isso implicou um novo curso, muita matéria diferente para estudar e consequentemente uma quebra quase total de tempo e disponibilidade para a vertente criativa.

Na fase final do curso nasceu a minha filha e poucos anos depois o meu filho. Gosto de dizer que este foi o período mais criativo da minha existência, porque criei Vida, explorei um mundo de emoções, desenvolvi a imaginação com os meus filhos e as minhas mãos ficaram mais ágeis e experientes em todas as áreas possíveis. Creio que a tal “criatividade” se diluiu naturalmente nas emoções e no dia-a-dia. Na verdade, aquela necessidade de “fazer algo” que sempre existiu em mim estava bastante apaziguada, manifestando-se apenas em certos trabalhos necessários ao curso, nos álbuns pós-nascimento dos meus filhos e ainda naqueles detalhes-surpresa oferecidos em datas marcantes.

Este foi o tempo de “experimentar” a família. Mas foi essencialmente um tempo de imensas aprendizagens, como é sempre o tempo de ser Mãe.

(Dulce Delgado, aguarela sobre papel)

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tento…

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…é o nome dado ao stick que permite apoiar a mão mais dinâmica no acto de pintar ou retocar. Em inglês tem o nome de “mahl-stick ou maulstick”.

Normalmente é talhado numa madeira leve e tem uma das pontas protegida com uma “boneca” de espuma ou algodão envolta num material suave, sem pêlo e não agressivo para as pinturas, sendo o mais indicado a camurça.

A sua função é a de proporcionar segurança nos gestos, especialmente quando estão em causa movimentos de grande precisão e o uso de pincéis muito finos. Na área profissional que escolhi há perto de quatro décadas, a da conservação e restauro de pintura, este é um objecto importante.

Antes de enveredar por esta actividade, desconhecia-o totalmente. Para mim “tento” significava “juízo”; e “ter tento”, apenas “ter juízo”. E durante muito tempo em nada associei este objecto ao termo que eu conhecia. Eram apenas palavras que se escreviam da mesma forma.

Hoje porém, os termos “tento” e “tento” estão muito próximos. Na verdade, preciso de “tento” (juizo) para aceitar com humildade que as capacidades se vão alterando com o passar dos anos, sendo  “o tento” (objecto)  imprescindível nesse processo. Porque sem ele, o cansaço no braço é uma realidade bem sentida, e os resultados imprecisos e não satisfatórios. Mas com ele na mão esquerda, a direita sente-se apoiada, confortável, segura e ainda capaz de tudo.

Olho para este companheiro de profissão com um carinho especial e como uma extensão do meu corpo. Talvez com o mesmo sentimento de quem utiliza uma bengala como auxiliar de marcha para se sentir mais seguro.

Os anos passam e as circunstâncias mudam. O importante é estarmos atentos a essas mudanças e a aceitar com abertura e lucidez os “tentos” necessários para que a vida se mantenha saudável e equilibrada.

 

 

conservar/recuperar

 

restaurar

 

– Conservar/recuperar determinadas capacidades do ser humano (motoras, sensoriais ou mentais)

– Conservar/ recuperar aspectos e valores originais de certos objectos ou de obras de arte

 

São vários os campos da vida em que esta parceria “conservar/ recuperar” pode ser aplicada, como são muitas as situações em que o descuramos. Porque cuidar, manter e/ou melhorar exige esforço e… muitas vezes o esforço cansa! Além disso, o facilitismo, a pressa e até um certo egoísmo que nos rege, não se coadunam com o trabalho e a paciência exigidos na recuperação de determinados valores ou capacidades entretanto perdidas. Mas obviamente existem excepções e são muitos os que o fazem no seu dia-a-dia, seja pessoal ou profissionalmente.

Por um lado, temos todos os agentes de saúde, em particular os terapeutas, que se dedicam com profissionalismo, empenhamento e muita paciência aos deficientes físicos, aos deficientes mentais ou aos idosos, numa atitude que visa a manutenção das suas capacidades, mas igualmente à reaquisição total ou parcial de outras que lhes poderão proporcionar autonomia, bem estar e uma melhor integração na sociedade.

Por outro, e num campo totalmente oposto na medida em que não lidam directamente com o corpo, os sentidos ou a mente mas sim com princípios e materiais, encontramos os conservadores-restauradores de arte, que mais não são do que terapeutas que recuperam valores patrimoniais. Também eles zelam preventivamente para que a deterioração não se instale e actuam no sentido de recuperar os aspectos materiais e/ou estéticos danificados por descuido ou acidente, tendo sempre em mente o respeito total pelos valores originais da obra de arte.

Curiosamente, a minha formação profissional abrangeu estes dois campos de acção: primeiro como terapeuta ocupacional, área em que me formei na juventude e trabalhei por um curto período de tempo; e posteriormente, como conservadora-restauradora de pintura, actividade a que me dedico há muitos anos. As semelhanças que apresentam são tão grandes, como são enormes as diferenças que as separam, basta o facto de estar em causa lidar com pessoas ou o lidar com objectos.

Porém, na base de ambas as profissões está a mesma essência, o mesmo tipo de olhar, a mesma filosofia, o mesmo cuidado e, de certa forma, o mesmo tipo de sensibilidade e atenção. Talvez por isso, ambas foram importantes na minha formação como pessoa e têm sido tão complementares ao longo da vida.

Contudo, alargando o campo de abrangência dos termos que dão título a este post, verifica-se que o conceito que lhes está subjacente é, seguramente, a base de toda a dinâmica da vida.

Na realidade, a parceria “conservar/restaurar” representa por um lado, a “luta” que todos necessitamos de empreender para nos conservarmos saudáveis e genuínos; e por outro, o “trabalho de recuperação” e o esforço que nos é exigido quando surgem desequilíbrios provocados por interferências, imprevistos, desvios ou abanões.

Por fim, é interessante perceber que este processo que se passa com cada um de nós é comparável ao que se passa na própria natureza e neste planeta que nos recebe. Também eles têm mecanismos que lhes permite “conservar uma certa estabilidade” e, noutros momentos, reagir com forças mais activas e dinâmicas capazes de contrabalançar e recuperar o equilíbrio…quantas vezes posto em causa por nós, os humanos, a mais inteligente raça que deles depende!