“Pátria…espaço telúrico e moral, cultural e afectivo, onde cada natural se cumpre humana e civicamente. Só nele a sua respiração é plena, o seu instinto sossega, a sua inteligência fulgura, o seu passado tem sentido e o seu presente tem futuro.“
Miguel Torga, in O Dia, de 11 de Setembro de 1976
Por regra, não vou ao cinema ver filmes de guerra, centrando as minhas escolhas noutras temáticas. Mas fui ver Dunkirk, um filme que conta um episódio ocorrido na Segunda Guerra Mundial, nos areais que se localizam na costa norte de França, perto da fronteira com a Bélgica.
Em 1940, ainda no início dessa guerra, a progressão rápida e eficaz das forças alemãs, empurrou franceses, ingleses e belgas para essa longa faixa de areia, deixando-os encurralados. Apenas por mar poderia vir a ajuda e a sua salvação. Mas uma certa contenção por parte da Inglaterra no envio de meios que permitissem a recolha dessas tropas (uma vez que iriam ser necessários no prosseguimento da guerra), levou a que o governo inglês solicitasse a ajuda de embarcações civis de todo o tipo, para fazer essa operação de evacuação. E eles foram, com a pátria no coração buscar os seus, atravessando o canal em condições dificílimas porque os bombardeamentos aéreos dos alemães eram constantes. Foram e salvaram milhares e milhares de homens nos poucos dias em que durou a missão.
O filme, muito bem dirigido por Christopher Nolan, é contado de forma a entrosar perfeitamente os diferentes momentos e acções, vistos e sentidos a partir de terra, mar e ar. O medo e a esperança de quem está em terra à espera de ser evacuado, mistura-se com a força de quem se meteu no seu barquinho para resgatar compatriotas, ou na coragem necessária para os desafiadores e arriscados combates aéreos.
É nos momentos difíceis que o melhor e o pior das pessoas vem ao de cima, seja a maldade e o egoísmo, seja a sensibilidade, a compaixão e a solidariedade. E a força ou a perda de controle. Tudo isso está sobriamente filmado nesta película, tal como o medo da morte, o cansaço ou a força necessária para enfrentar uma situação extrema.
Porém, o que mais me marcou em toda a película, é a força e as formas que o sentimento de ligação à Pátria podem ter. Manifesta-se na vergonha de uma possível derrota, na luta pela sobrevivência (luta essa que pode incluir a ocultação da própria nacionalidade), na vontade férrea de salvar outros em memória de um filho falecido ao serviço do país ou, ainda, na decisão de lutar até ao último momento para defender e salvar compatriotas, mesmo sabendo que essa pode ser a sua derradeira acção.
A frase de Miguel Torga com que iniciei este post é uma notável descrição de Pátria, desse espaço físico e de afectos com as melhores condições para “sermos e crescermos”. Teoricamente, pelo menos.
De certa forma, todos sentimos diariamente esse sentimento de patriotismo de um modo doce, subtil e indolor. Pessoalmente, esse sentir é pouco consciente e até inconsistente, porque nunca lhe “medi o pulso” em situações limites, ou seja, nunca fui posta à prova. Estou certa que será apenas no terreno e nos momentos “nus e crus”, que essa ligação “telúrica e afectiva” poderá mostrar (ou não) a sua real força.
Este filme, quanto a mim, mostra-o muito bem.