por aí…

Que prazer partilhar
um passeio pela cidade
pela serra
ou junto ao mar!

Passo a passo,
assiste-se com emoção
à lenta libertação
de pensamentos sem paz,
alicerces obscuros
de uma rotina sempre voraz.

A par dessa libertação
a conquista do lugar,
arejada sensação
de respirar com o olhar.

Completam-se com ternura
o meu e o teu olhar,
um prefere a paisagem
o detalhe
e a textura,
o outro a borboleta
ou a ave a voar!

Por fim,
prolonga-se o passeio
em palavras e imagens
semeadas com ternura
nas brancas folhas dos álbuns,
guardiões para o futuro
das memórias que já falham!

Este poema já conta alguns anos de vida, mas tem surgido amiúde no meu pensamento do decurso da actual pandemia e dos confinamentos/restrições de liberdade a que temos sido sujeitos sobretudo os fins-de semana e feriados.

Compartilho com o meu companheiro um gosto especial em andarmos “por aí” explorando novos locais ou a revisitar outros, mas com toda a disponibilidade, ao nosso ritmo e sem restrições de horários. Neste ano de 2020 essas incursões diminuíram drasticamente para um nível que desconhecíamos e limitado imenso a liberdade a que estávamos habituados.

Dadas as circunstâncias actuais sabemos ser um mal necessário. E sabemos ainda, sendo realmente objectivos, que este nosso “mal-estar” é um mal menor e um não-problema comparativamente com tantas situações difíceis que esta pandemia tem semeado pelo mundo.

Entretanto, e sempre acreditando que qualquer dia voltaremos sem restrições às nossas explorações, vamos andamos “por aí” muito pontualmente…
…passeando sobretudo com a imaginação…
…lendo e relendo a lista dos locais que esperam a nossa visita…
…revisitando lugares através dos muitos álbuns já construídos…
…e sempre, mas sempre viajando através da magnífica fonte de devaneios que é o Google Maps!

Melhores dias virão para todos nós!

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sintra…

 

3a

 

Existem lugares que ficam connosco. Para sempre. Mesmo que a sua dinâmica se altere com a passagem do tempo, guardamos a emoção sentida, o que nos deram, o que neles deixamos. No fundo, guardamos a sua energia e, estou certa, também esses lugares guardarão num qualquer recanto, um pouco de nós.

Sintra e a sua área envolvente, é um desses lugares de memórias e de emoções. Aí passei vivências únicas na minha juventude, fiz amigos que se mantêm, namorei, casei, vivi, e os meus filhos passaram parte da sua infância.

A Sintra que tenho na memória, não é seguramente a Sintra de hoje, em que prevalece a vertente turística e com ela uma visão bem mais economicista da região.
Retenho uma Sintra ao natural, espontânea, com portões mas sem barreiras. Recordo a naturalidade e a facilidade com que tantas vezes subíamos ao castelo apenas pelo prazer de ver o pôr-do-sol, ou como os verdes e as neblina tinham um cheiro que nos invadia, que era único e que não se esquece; recordo os atalhos e os caminhos não sinalizados que nos chamavam e que sentiamos envoltos numa certa magia; recordo as pequenas plantas selvagens que colhi num muro e que depois de colocadas em terra, se tornaram nos primeiros vasos de uma paixão que hoje persiste; lembro com emoção e quase com um arrepio, os penedos que eram escalados em aventuras mirabolantes pela energia de uma juventude pouco alimentada pela racionalidade, mas bastante permeável à força que a serra transmitia; e lembro ainda uma serra onde se fazia campismo no meio do nada apenas pelo prazer de estar isolado, entre verdes, silêncio e nevoeiro.

Na minha juventude, Sintra foi um modo de estar, uma filosofia e um forma diferente de pensar a vida. Ela foi ainda o som de uma guitarra e o calor de uma lareira em redor da qual a amizade e as grandes conversas eram acompanhadas por chá quente e torradas, ou pelas castanhas, assadas e saboreadas no momento.

Mas Sintra também era a humidade que se sentia nos lençóis ou o cheiro a mofo que as casas detinham. Sintra era o frio e o desconforto, mas igualmente o aconchego e a energia.

Afastei-me da sua área geográfica há mais de vinte anos. Porém, quase todos os dias e sempre que o ângulo o permite, o meu olhar procura o contorno da serra como se fosse um elemento da família. Gosto de a ver límpida, nítida e cheia de luz, mas também tapada pelo nevoeiro ou com um manto de nuvens descansando nos seus montes, como se um nevão a cobrisse de branco.

Continua bonita, com um perfil único e de matizes que variam todos os dias. Persistem os recantos encantadores e é sempre um lugar a que volto. Mas a envolvência humana e agitada que vive na actualidade dificilmente permite senti-la como nos tempos em que era “a nossa serra”. Agora é preciso procurar muito mais para tentar encontrar a calma e a  magia que emanava noutros tempos.

Sintra e a sua serra evoluíram…e eu envelheci. Porém, os seus lugares e a sua energia estarão sempre no meu caminho. Até ao fim.

 

 A fotografia é da autoria de José Oliveira, com quem partilhei Sintra e a serra durante muitos anos. Hoje, este perfil continua a fazer parte do seu olhar de todos os dias. Obrigada por partilhares comigo este post!