Num recanto da cidade
um estendal…
…e uma branca camisa
em sonhos de liberdade!
Ora enfuna com o ar
e na vontade de voar…
ora na corda se enrola
esgotada de tanto lutar.
Na rotina dos dias
o desalento é total,
usada
e depois despida,
na roupa suja é metida
numa indiferença brutal.
Se a lavagem é desventura,
pior é a tortura
dum ferro quente a passar
percorrendo o seu corpo
para os vincos alisar.
Sucedem os dias difíceis
e nada de bom acontece,
até o tal sonho,
gasto de tão usado
em dor se desvanece.
Um dia…
…estando presa no estendal
um fortíssimo vento norte
faz renascer a esperança,
pois nas molas sentiu desnorte
e na corda insegurança.
Uma rajada maior
liberta-a
daquele lugar,
começando ofegante
numa aventura invulgar.
Como um balão insuflado
voou feliz pelo ar,
e quando longe chegou
viu-se com riso e espanto
uma manga a acenar!
(Poema e desenho, Dulce Delgado, 2016)
Há seis anos, quando iniciei o Discretamente, partilhei alguns poemas que tiveram pouquíssimas visualizações, algo comum no início de qualquer blog. Porque os aprecio, tenho a intenção de os publicar novamente.
“As voltas da vida” é um deles e foi agora escolhido porque, não estando a vida e os tempos com qualquer tendência para o humor, que seja a imaginação a nos permitir, talvez, um pequeno sorriso.
Este poema, agora revisto e com ligeiras alterações relativamente ao original, surgiu num dia de grande ventania ao observar uma camisa branca num dos estendais das habitações localizadas nas traseiras do meu emprego.