Num recanto da cidade um estendal… …e uma branca camisa em sonhos de liberdade!
Ora enfuna com o ar e na vontade de voar… ora na corda se enrola esgotada de tanto lutar.
Na rotina dos dias o desalento é total, usada e depois despida, na roupa suja é metida numa indiferença brutal.
Se a lavagem é desventura, pior é a tortura dum ferro quente a passar percorrendo o seu corpo para os vincos alisar.
Sucedem os dias difíceis e nada de bom acontece, até o tal sonho, gasto de tão usado em dor se desvanece.
Um dia…
…estando presa no estendal um fortíssimo vento norte faz renascer a esperança, pois nas molas sentiu desnorte e na corda insegurança.
Uma rajada maior liberta-a daquele lugar, começando ofegante numa aventura invulgar.
Como um balão insuflado voou feliz pelo ar, e quando longe chegou viu-se com riso e espanto uma manga a acenar!
(Poema e desenho, Dulce Delgado, 2016)
Há seis anos, quando iniciei o Discretamente, partilhei alguns poemas que tiveram pouquíssimas visualizações, algo comum no início de qualquer blog. Porque os aprecio, tenho a intenção de os publicar novamente.
“As voltas da vida” é um deles e foi agora escolhido porque, não estando a vida e os tempos com qualquer tendência para o humor, que seja a imaginação a nos permitir, talvez, um pequeno sorriso.
Este poema, agora revisto e com ligeiras alterações relativamente ao original, surgiu num dia de grande ventania ao observar uma camisa branca num dos estendais das habitações localizadas nas traseiras do meu emprego.
…começo por agradecer os muitos comentários deixados no ultimo post desejando-me boas férias e a que não dei resposta. O compromisso que fiz de me afastar duas semanas deste espaço foi literalmente cumprido, sendo certo que é importante distanciarmo-nos um pouco do que nos “prende” pois sempre voltamos com um olhar mais atento e renovado.
Agradecer faz parte dos meus dias, muitas das vezes em silêncio e centrada em pequenos detalhes. Hoje porém, para além do agradecimento inicial, também em palavras escritas eu gostaria de…
…agradecer o facto de tudo ter corrido sem precalços nestas duas ultimas semanas;
…agradecer os belíssimos dias de praia e de sol que aqueceram o corpo e aquietaram a alma;
…agradecer ao vento pelos dias em que decidiu soprar sem exagero do quadrante sueste e assim aquecer a água do mar algarvio como tão bem sabe fazer;
…agradecer ao mar não ter exagerado nas ondas e permitido deliciosos banhos entre o tranquilo e o activo;
…agradecer ao céu o seu belíssimo azul…e às nuvens, por não terem aparecido durante toda a semana de praia…mas apenas após esse período!
…agradecer à natureza alguns agradáveis passeios, assim como a possibilidade de observar e fotografar bastantes aves… apesar de Julho e Agosto serem os piores meses do ano para o fazer!
E por último…
…agradecer o facto de ter saúde e condições para poder desfrutar destes períodos fora de casa e das rotinas habituais… e em que os relógios, as notícias e a pandemia quase foram esquecidos!
…e por ter a meu lado um companheiro em doce sintonia na partilha de todos estes agradáveis momentos!
(E já agora agradeço o estarem a ler isto… e a me acompanharem novamente!🙂)
Gosto de pensar que o vento que empurra aquele barco está repleto de pensamentos e sentimentos de diversas formas, de sonhos e vontades, tristezas e desejos, alegrias e ternuras, e de muitas das energias que constroem ou destroem cada momento das nossas vidas.
A algumas dessas energias damos toda a liberdade, permitindo que o vento as leve para bem longe; outras porém, ficarão para sempre connosco, ajudando ou impedindo o nosso barco de andar.
Na infância, os moinhos de papel eram sonho, construção, movimento e com eles voamos felizes ao vento. Depois crescemos e naturalmente os esquecemos.
Os outros, os reais – sejam de vento, de água ou de maré – ainda vão resistindo na paisagem. A maioria estará destruída, muitos foram recuperados para habitação ou musealizados, sendo poucos os que ainda se mantêm íntegros e conseguem funcionar.
Gosto especialmente dos moinhos de vento, porque sempre que o meu olhar os encontra sente-se bem acolhido. Com eles é muito fácil voltar à ingenuidade dos desenhos de infância em que um moinho com quatro velas não podia faltar no cimo de uma paisagem com montes.
Neste Dia Nacional dos Moinhos, 7 de Abril, partilho convosco alguns dos muitos moinhos de vento que o meu país ainda acolhe… com mais ou menos carinho.
– Conjunto de cinco moinhos recuperados para funções diversas no Alto da Pinhôa, Moita de Ferreiros, Lourinhã
– Conjunto de vinte e três Moinhos da Serra da Atalhada, Friúmes, Penacova. Alguns estão recuperados para habitação.
-Conjunto de catorze moinhos em Gavinhos, Penacova. Alguns estão recuperados e creio que actualmente um deles ainda funciona com moleiro, provavelmente para escolas.
-Moinhos de Portela de Oliveira, Penacova. Originalmente seriam quase duas dezenas, sendo que alguns foram reaproveitados para habitação, outros estão em ruína ou em mau estado, e um deles, que pertenceu ao escritor Vitorino Nemésio, foi totalmente recuperado pela Câmara Municipal de Penacova, estando funcional. Anexo a um desses moinhos foi instalado o Museu do Moinho Vitorino Nemésio.
Este escritor adorava moinhos, tendo possuído três naquela região. O seu apreço era tanto que chegou a ser Presidente da Associação Portuguesa dos Amigos dos Moinhos.
-Aqui e ali, no cimo dos montes ou em zonas mais ventosas, eles convidam a um olhar terno e sempre delicioso.
Outros continuam activos por tradição, seja para fins educativos seja como complemento de um negócio. É o que sucede com o Moinho dos Caixeiros (Silveira, Torres Vedras), cujas velas a rodar são um chamariz para visitar uma padaria tradicional com um excelente pão.
– Por fim, uma simbólica homenagem a todos os que foram abandonados e engolidos pelo tempo, talvez a grande maioria dos que existem em Portugal. Pedra a pedra foram-se desmoronando… caindo… e naturalmente voltando à terra. Não tiveram fôlego para lutar contra o esquecimento e aguentar o avanço da civilização.
A buganvília que vive em minha casa floresce quando lhe apetece. Este ano o Outono também foi tempo de floração, enchendo de cor o espaço que habita junto a uma janela. Porém, nesta altura do ano essa janela é muitas vezes fechada devido ao frio e à chuva, o que lhe causa certamente alguma tristeza como planta de exterior que é. Foi esse o sentimento que esta imagem despertou em mim, num dia cinzento, frio, chuvoso… e de janela fechada! Fiz-lhe um afago e pensei “Ok…se floriste no Outono e o crescimento não parou…não pode ser grave! Há dias assim!”.
Novo pensamento:
A chegada do Inverno ao hemisfério norte neste ano totalmente atípico e de menos afectos, levará provavelmente a uma maior interiorização, a mais momentos de melancolia e a uma evidente diminuição da energia. Apesar da meteorologia ter muita influência nesse processo, creio que este ano será sobretudo a pandemia a funcionar como “algo invisível e frio” que nos afasta do mundo e impede o calor humano.
Recorrendo a uma metáfora e à imagem acima diria que, tal como a minha buganvília, também nós…
…estamos perante uma “barreira invisível” e limitativa que nos separa do mundo …o cansaço dessa situação leva a momentos de alguma tristeza …apesar desse cansaço, continuamos a encontrar energia para viver e lutar …sabemos que no outro lado dessa barreira estará uma saída e a liberdade …que a esperança é algo poderoso e que a mudança sempre acontece …e que a “janela”, mais tarde ou mais cedo se abrirá novamente!
E é com esta imagem que mistura tantos sentimentos que vos desejo um Inverno de esperança, de resiliência e apesar de tudo, sempre de gratidão!
Semelhante desejo dirijo aos meus leitores do hemisfério sul que hoje receberam o quente Verão…mas seguramente com alguns sentimentos análogos aos descritos!
Viajam as folhas de Outono ao sabor do vento num rodopio sem parar. Por vezes aterram na água e o voar vira navegar.
Nesta viagem, duas folhas de plátano adoptaram outra mais pequena e de espécie diferente, talvez de choupo, deram-lhe boleia e seguiram num lento flutuar ao ritmo do lago.
Provavelmente esta foi a sua última viagem. Tranquila, como um passeio em família.
Despede-se hoje o Verão após uma semana meteorologicamente instável, reflectindo um pouco o espírito da estação que esteve entre nós. Foi um Verão algo desconfiado, intercalando o céu azul com o cinzento, as noites amenas com outras bastante frescas, e os raros dias sem vento com muitos de forte ventania. Com variações obviamente entre o norte e o sul do país, revelando o pólo meridional mais sintonia com o verdadeiro Verão.
Tais flutuações meteorológicas impõem uma verdadeira elasticidade mental de adaptação. Aliás, algo bem de acordo com os tempos instáveis que vivemos em que nada é realmente solto e natural, já que a preocupação e os pensamentos “laterais” pairam sobre nós como uma nuvem.
Mas nada disso é impeditivo do avançar do relógio do tempo e do fluir do tempo da natureza…
É nesta dinâmica que o Outono chegará hoje às 14h 31m ao calendário e aos nossos dias. Aos poucos a natureza fará as suas adaptações, começará a olhar para dentro, espalhará as suas cores de Outono, levará as folhas das árvores a viajar com o vento e talvez ofereça alguma chuva consistente.
E nós continuaremos igualmente a nossa adaptação a este estranho tempo que 2020 nos ofereceu, agora ainda mais atentos do que antes porque as circunstâncias actuais assim o exigem. Tentaremos não esquecer os gestos que começam a ficar esquecidos e reforçaremos as emoções que não precisam de gestos, através do cuidado, da atitude, da palavra, do detalhe. Pode parecer pouco, mas é bastante se for verdadeiro e genuíno.
Que seja um Outono (e uma Primavera no outro lado do mundo), ao desejo de cada um!
E cuidemo-nos. Cuidando de nós, também cuidamos dos outros!