
Uma viagem, foi o título que dei ao que escrevi em quatro pequenas folhas durante uma viagem entre o Algarve e Lisboa no chamado comboio-correio que, na minha juventude unia diariamente essas duas regiões do país. Levava toda a noite a percorrer 300 km, porque parava em muitas estações para recolher correspondência, encomendas, etc. Era essencialmente frequentado por jovens estudantes e militares, transportando geralmente pouca gente. Era comum cada um escolher um banco para se deitar, dormir, ler, etc. Eu normalmente dormia…e escrevia.
Na noite de 7 de Março de 1976 fiz essa viagem depois de uns dias de férias em Portimão, onde viviam os meus pais. Tinha dezoito anos, estudava em Lisboa (tirava então o curso de Terapêutica Ocupacional no Centro de Reabilitação do Alcoitão) e, sempre que possível, o Algarve era destino de uns dias de férias.
Há pouco tempo encontrei quatro folhinhas no meio de outros escritos e achei muita piada, porque já não me lembrava deles. Não vou transcrever tudo o que contêm, mas apenas uma parte que já reflecte muito bem o que sou, o que sinto e também um certo optimismo que me é nato.
“Há pouco estive a olhar lá para fora. Comecei a ver que não via nada…só às vezes. Mesmo sendo de noite vê-se sempre qualquer coisa, há sempre uma luz qualquer a acompanhar a “terra que corre”. Ou é a luz do comboio, ou é a luz de candeeiros na rua, etc.
….entretanto comecei a comparar o que via com a nossa Vida, também ela com zonas escuras, tristes. Mas a acompanhar essa tristeza e essa escuridão, há sempre uma luz, uma alegria ou qualquer outra coisa boa mesmo por muito ínfima que seja a acompanhar esse escuro da vida. E as pessoas só não a vêem e não a apanham se não quiserem, se fecharem os olhos e não tentarem descobrir algo agradável no meio do desagradável. Se formos optimistas e andarmos sempre com os olhos bem abertos, esse escuro não será tão preto mas apenas cinzento.
Todas as coisas que nos sucedem durante a vida e a que chamamos chatices, desgraças, etc, se as aprofundarmos bem com um espírito optimista, talvez não sejam assim tão graves e algo de positivo se esconda nelas. Sempre se encontra algo, disso tenho a certeza.
…eu estou a falar assim, mas ainda não consigo perceber muito bem as coisas deste modo. Sei que ainda sou um pouco pessimista, embora tenha a impressão que já o fui mais. E que mais optimista serei no futuro….vamos ver!”
Tinha então 18 anos…. passaram 46…. e prezo reconhecer que segui a linha que este texto já pronunciava ainda com alguma insegurança. E gostei de constatar isso, acreditem.
Teria ficado muito triste se hoje fosse uma pessimista inveterada e sombria.