instantes #59

Carnaxide, Oeiras, Portugal, Setembro 2022
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pelo tempo

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Voando pelo tempo
eu vou,
planando ou batendo asas
e sentindo o vento
que sou.

Por vezes tropeço
nos sonhos
e foge-me o arco-íris,
então rodopio hesitante
na verdade do tempo
e do instante.

Ele não pára…
…o tempo,
e eu continuo
a avançar
sem meta onde chegar.

Nesse caminhar eu sigo
mais ou menos tranquila,
tentando inspirar
apreciar
aprender
e aceitar,
o que a Vida tem para dar!

 

(…mas nem sempre o consigo!😊)

 

(Dulce Delgado, Agosto 2020)

 

 

 

entre libélulas

 

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Em voos rápidos
e aleatórios pelo ar,
elas voam sobre a água
ao som
do fresco murmurejar.

A seu lado
voa o meu olhar,
atraído pelas cores metalizadas
e transparência fluída
das suas asas.

Com  libélulas
no ar,
é tão leve
e fácil
voar neste lugar!

 

 

(Dulce Delgado, Outubro 2019)

 

 

 

 

o cata-vento

 

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Irrequieto,
o vento
fustiga o cata-vento,
que roda loucamente
sem parar.

Pára!
Pede o galo
do alto do cata-vento,
estou tonto,
cansado
sem norte
e farto desta sorte!

Porquê?
pergunta o vento,
num rodopio
sonoro e menos turbulento…

Porque…
não canto
não voo
não acordo ninguém
não tenho par
nem um quintal onde reinar!
E estou preso
nesta alma de metal,
fria e intemporal!

Mais calmo,
o vento soprou
com ternura
e ecoou…

Puro engano
meu amigo!

Tu és norte,
orientação,
e o corpo que me dá voz.
És o vento que o olhar mais simples
compreende,
linguagem universal
clara e sem igual.

Não voas
é certo,
mas desse lugar
podes ver mais mundo
e horizonte que muitos
a voar.

O teu “quintal” é vasto
aprecia-o com alegria.
E voa,
quando quiseres
e disso precisares.

Basta sentires
o meu afagar em teu corpo
com emoção,
ou a minha loucura
sem razão,
e  terás penas
e asas
e voos de imaginação!

Se este é o teu lugar
e destino,
não vires as costas
ao sopro que te dá vida,
sente-o simplesmente
guiando a emoção
para junto do coração!

 

(Dulce Delgado, Junho 2019)

 

 

a janela

 

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“Dulce, vem … rápido… e traz a máquina!”

E eu fui, sempre pronta para a surpresa.

Pousado no exterior da janela estava este bonito insecto “pedindo” uma fotografia. Em dois cliques concretizei o intento e, em breve, ele seguiu a sua vida. E eu a minha, feliz com a “captura” e certa que teria que saber um pouco mais sobre ele, o que fiz oportunamente junto de quem poderia esclarecer a minha curiosidade.

Sendo uma apaixonada por insectos, a minha amiga bióloga olhou para esta imagem e em breve me disse que deveria pertencer à ordem Neuroptera. Uma rápida busca pela internet levou a integra-la na família Chrysopidae e pouco depois a associá-la, com alguma certeza, à espécie Pseudomallada prasinus (Burmeister, 1839).

Fiquei feliz por conhecer o nome deste elegante ser de aspecto frágil e asas rendilhadas que decidiu pousar na minha janela. Entretanto, a conversa continuou…

Dizia-me ela que a Neuroptera é uma ordem pouco estudada porque não tem grande interesse científico. A sua existência nada implica de bom ou de mau para o homem ou para a natureza, uma vez que as espécies que a integram não são nocivas nem benignas.

Isto significa que, por exemplo, não são nocivas como os mosquitos que provocam doenças como a malária e dengue, ou como as vespas e gafanhotos que podem ser bastante prejudiciais na natureza; e também não são benignas como as abelhas ou borboletas, fundamentais para a polinização, ou como as joaninhas, que são excelentes controladoras de pragas.

São, pois, uns insectos relativamente neutros e inofensivos, que andam por aí servindo essencialmente de alimento a outras espécies.

E no meu pensamento algumas relações…

Neste mundo, grande parte dos recursos disponíveis são orientados no controle do que é “mau” ou no incremento do que é “bom”, termos que são sempre bastante relativos como todos sabemos. No primeiro caso poderemos incluir as acções que fragilizam a sociedade, como a corrupção, o roubo, a agressão, o crime, as doenças, etc. No segundo,  acções como a solidariedade, a educação, a investigação ou a cultura.

Teoricamente resta um “espaço” intermédio de acções que não se encaixam nestes extremos…que contribuem para a sociedade com uma certa neutralidade e que estão associados a gente comum e algo invisível, mas…

…que não “agride” ninguém…

…está atenta aos outros…

…vive o dia-a-dia com simplicidade…

…reage perante a complexidade…

…encara a dinâmica das emoções sem interferir com os demais…

…que sabe apreciar, à sua maneira, os momentos e as “janela” que a vida lhe vai proporcionando…

…talvez como eu…

…talvez como tu…

…talvez como os insectos da espécie Pseudomallada prasinus que andam por aí voando sem grande objectivo a não ser viver…

…existir…

…dar um toque de beleza à vida, à natureza e às nossas janelas…

…até ao dia em que, de uma forma natural mas sempre inesperada, o seu ciclo terminará num “último voo” no bico de um gigante Pássaro…

 

Estarei muito errada?

 

 

(Obrigada Lília!)

 

 

 

pelo ar…

 

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Em voo
levada sou,
nas entranhas
de um ponto
viajante,
no azul
e no instante.

Aventuro o meu olhar…

…e pelo rarefeito ar
vejo que o mar
virou céu
com nuvens a decorar!

Enganou-se o meu olhar?
Será que o céu e o mar decidiram brincar?

E as nuvens…
… gostarão elas de estar
abaixo do humano olhar?

Talvez sim…
talvez não…

Mas,
melhor do que eu estarão
neste meu divagar,
nascido para passar o tempo
e sempre,
sempre pensar…
…que já falta pouco para aterrar!

 

 

(Dulce Delgado, Junho 2018)

 

 

 

 

o voo da buganvília

 

No início deste blog revelei o meu gosto por buganvílias. Poucos dias depois, no começo de Maio, foi-me oferecido um exemplar desta espécie repleto de flores (post do dia 10 de Maio, intitulado Buganvilia II).

Sendo uma planta de exterior e não possuindo a minha casa uma varanda, fiquei expectante relativamente à sua adaptação/ sobrevivência, pelo que a coloquei num móvel que se encontra junto ao parapeito de uma janela que normalmente está aberta.

Duas semanas depois começou a perder as flores, que desapareceram totalmente em poucos dias. Fiquei então com uma buganvília sem flores, mas com muita esperança que a sua adaptação ainda fosse possível.

Um dia chegamos a casa e a buganvília não se encontrava no lugar. Senti um grande aperto no coração e rapidamente percebi que a sua ausência só poderia resultar do vento muito forte que se fazia sentir naquele dia… muita trepidação… pequenos deslizes sucessivos… e a buganvília só poderia ter caído do décimo andar onde vivo! Um voo de dez andares!!!

Desci rapidamente até à rua. Procurei-a e encontrei-a junto a um canteiro, perto de um pequeno monte de terra, com as raízes todas visíveis e as três hastes murchas e sem qualquer vitalidade.

Peguei nela cuidadosamente, levei-a para casa e coloquei-a em nova terra e novo vaso. Em poucas horas algumas das folhas ganharam alguma firmeza, iniciando-se a fase dos “cuidados intensivos”, com muito acompanhamento, diálogo e obviamente, um “cinto de segurança” para impedir novas quedas.

Duas das hastes conseguiram recuperar, sendo que a outra secou definitivamente. Após duas semanas, reparei que estavam a nascer novas folhas. Dias depois apareceram pequenos pontos de cor, que pareciam flores. E foram mesmo, o que se revelou uma enorme alegria para mim!

Um mês e meio após a queda, a minha buganvília estava a ficar cheia de flores e a crescer a olhos vistos. Até foi passar uns dias de férias ao Algarve, para uma varanda, estadia que seguramente lhe agradou, dada a sua evolução.

Voltou para casa e continua muito bonita, como mostra esta fotografia tirada recentemente. Parece feliz e espero que assim continue. Porque eu também estou!

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Mas, tão importante como essa alegria que sinto, é a lição que ela tem dado a todos os que a temos acompanhado nos últimos tempos: mesmo após uma grande queda, podemos dar a volta e recuperar para a vida e voltar a ser felizes. O ser vivo é, por natureza, um lutador e um sobrevivente. E se tivermos a sorte de ter alguém que goste e cuide de nós, que nos ampare e incentive nesses momentos, então a recuperação será mais provável, fácil e rápida!