palavras encontradas

É raro o dia da semana em que não subo a grande escadaria que liga a Av. 24 de Julho ao Largo 9 de Abril em Lisboa, sendo este último espaço ocupado pelo acolhedor jardim que fica entre o Museu Nacional de Arte Antiga e a Sede da Cruz Vermelha Portuguesa. São cento e tal degraus que normalmente imponho a mim própria subir com algum ritmo a fim de fazer um pouco mais de exercício e estimular o ritmo cardíaco.
Pontualmente faço-o com mais calma, seja para apreciar a vista sobre o rio, por estar mais cansada, ou simplesmente porque me apetece ir devagar e olhar… olhar…e olhar…

E foi num desses dias mais tranquilos que me apercebi de uma frase escrita no lancil de um degrau. E depois de outra, lá mais à frente. Então no dia seguinte, com o interesse bem desperto e de máquina fotográfica na mão, calcorreei os três lances duplos que compõem esta grande escadaria com o intuito de encontrar outras frases. E encontrei, não sei se todas, pois na verdade são pequenas e estão discretamente colocadas. E algumas estão repetidas.

Desconhecendo há quanto tempo ali estariam, logo me questionei sobre a sua resistência (ou efemeridade) perante a água da chuva. Dias depois tive a resposta ao verificar que se mantinham íntegras após a passagem de um forte temporal sobre Lisboa. Actualmente estão apenas um pouco desbotadas e uma delas foi vandalizada/raspada, estando ilegível.

Obviamente que a fase seguinte foi procurar a sua origem. Conclui que @voz_carmesim é a “voz” de uma poeta que se chama Mari e é oriunda de S. Paulo, Brasil. Reside em Lisboa e no Instagram descreve-se como “Poeta com sede de gente e fome do mundo”.
No seu site é possível saber um pouco mais e ainda que intitula a sua poesia como quântica.

Eu não sei o que é “poesia quântica”… e sou extremamente crítica dos graffitis absurdos que abundam por aí… mas adorei a ideia de encontrar estas frases no chão daquela escadaria de todos os dias.

Se a ideia só por si já é poética…seja por ser inovadora, discreta ou simplesmente pelo gesto que lhe deu origem, estas frases foram sentidas por mim como pequenos tesouros escondidos e descobertos…como aqueles ovos que as crianças encontram na época da Páscoa…

E gostei especialmente de imaginar o momento em que foram ali depositadas. Em que uma mulher segurando um marcador waterproof se deliciou a escrever em recantos desta enorme escadaria, frases poéticas e intemporais……mas resistentes e sobreviventes a temporais!

São encontros invulgares que aquecem os nossos dias, e sobretudo, que nos recordam a importância de sair do comum, da rotina e do previsível.