experimentações #41

Rio Onor, Parque Nacional de Montezinho, Portugal, Agosto 2001

A partilha de desenhos que aqui ocorreu nos últimos anos deixou ainda muita coisa de fora, especialmente no campo dos diários gráficos e livros de férias. Nesse gesto de partilha sempre tive o cuidado de não ser cansativa, o que poderia ocorrer se publicasse mais exemplos/folhas de cada bloco.

É minha intenção continuar a deixar aqui algumas dessas páginas mas agora individualmente, contenham elas apenas desenho ou desenho associado a palavras, um pouco à semelhança do post de hoje. Incluirei igualmente outro tipo de desenhos soltos que fui fazendo com ou sem objectivo nos últimos anos.

Serão posts simples e sem qualquer ordem cronológica, uma espécie de “instantes gráficos” que revelam lugares e olhares que foram marcando as minhas emoções ao longo da vida. Sempre que possível, complementarei com o local e a data de realização do registo. Espero que os apreciem!

Termino desejando a todos uma boa semana!🤗

arte e paciência

As duas formas artísticas que hoje partilho têm em comum a imensa paciência que exigem aos seus criadores.

David C. Roy, um adepto da arte cinética, trabalha essencialmente no interior, compra provavelmente os materiais que precisa e terá excelentes conhecimentos de física/mecânica para construir as suas obras com uma precisão milimétrica

Jon Foreman, sendo um artista da natureza, depende dos ritmos e dos materiais que esta temporariamente lhe disponibiliza e terá certamente excelentes noções de perspectiva e geometria para construir as suas obras.

Se a a primeira forma de arte mexe sobretudo com a minha curiosidade pela precisão de relojoeiro que revela, já a segunda toca na minha sensibilidade pela beleza dos lugares escolhidos, pelas formas desenhadas/esculpidas, pela perfeição nas perspectivas e por criar universos tão diferentes da realidade que nos habita.

Admiro imenso a beleza de uma pedra solitária num areal ou de algumas folhas de Outono caídas aleatoriamente num qualquer lugar. Gosto daquele pouco que diz imenso e da simplicidade que transcende a quantidade. O meu olhar gosta realmente do mínimo, do simples. Porém, isso não me impede de apreciar o contrário quando impera a ordem ou a quantidade funciona como um todo uno e indivisível, como acontece nas obras de Jon Foreman.

Quando observadas a uma certa distância, estas “pinturas/esculturas” são pontos que se destacam na imensidão da natureza. O detalhe que está na sua génese passa para um plano secundário e tornam-se em algo completamente diferente. Gosto dessa duplicidade para o olhar. E gosto ainda mais da ideia de serem materiais emprestados pela natureza, que logo voltam a ela e ao processo erosivo e de degradação natural.

David C. Roy e Jon Foreman são dois artistas de áreas completamente diferentes… mas ambas extremamente exigentes em paciência. Vale a pena explorar os links acima – direccionados para os seus sites – pois permitem ficar com uma ideia mais ampla do trabalho de cada um.

pela cidade

Cidade de gente apressada
cidade de gente indiferente…

Gastam passos sem sentido
passam esquinas, casas, dor
pisam pedras,
pisam gente
negam um olhar decente
ignoram que há luz e cor
e tanto para ser percebido.

Abranda o passo,
esquece o tempo por  momentos
e usa a cidade com amor,
acaricia as pedras ao andar
faz de cada esquina uma descoberta
e de cada azulejo uma obra de arte.

Deixa a cidade tocar-te,

procura no outro uma janela aberta
e põe um sorriso no seu olhar!

Poema e desenho de Dulce Delgado, ambos com mais de três décadas mas de uma temática que se mantem actual. Diria apenas que o poema revela um pouco de idealismo a mais…

 

presenças ausentes

Apesar de pouco consciente em nós, é uma arte que está em todo o lado e todos os dias passa pela nossas mãos, seja numa revista ou jornal, nos livros que recebem o nosso olhar, na capa daquele disco compacto ou vinil que ouvimos, nas agendas em papel ou calendários que nos regem o tempo, nas caixas de medicamentos que consumimos ou nos modelos e documentos oficiais…seja nos belíssimos rótulos de garrafas de vinhos que existem actualmente ou nas inscrições que identificam qualquer produto.

Ainda mais indiferente ao nosso olhar, essa arte está igualmente naqueles flyers irritantes que sempre colocam nos nossos carros dizendo que o querem comprar…nos folhetos com promoções dos super e hipermercados que nos esperam na caixa de correio, em toda a publicidade de habitações para arrendar e vender, e ainda, na organização de conteúdos de todo o tipo de publicidade que nos chega às mãos em suporte de papel….e que, na maioria das vezes, vai directamente para a reciclagem.

O design gráfico está presente no que é palpável mas igualmente na construção das inúmeras páginas virtuais que diariamente procuramos na internet (aqui sob a forma de web design), e que foram construídas e modeladas por um olhar especializado para que a nossa experiência visual seja apelativa e mais facilmente atraída e conquistada.

São os trabalhadores escondidos da estética dos nossos dias e de certa forma de um certo “consumismo” que nos rege. Ao colocarem um título, imagem, desenho, texto ou um espaço no lugar certo, estão a construir e a atrair emoções. As nossas emoções. Diria que eles trabalham para o nosso olhar e para que os nossos dias sejam esteticamente mais agradáveis, mesmo que não tenhamos consciência desse facto.

Eles são os designers gráficos e hoje, 27 de Abril é o seu dia mundial.

Na generalidade, este post é para todos esses trabalhadores de bastidores e de pouca visibilidade. E é particularmente para a minha filha e para o seu companheiro, ambos designers gráficos e detentores de um sentido estético que muito aprecio. 🧡

Valorizemos o trabalho destes artistas-técnicos, inclusive naquelas áreas e detalhes que normalmente nos são indiferentes e que ignoramos.

sabes desenhar?

É provável que a maioria dos leitores deste post diga que não, que não tem jeito. Essa é a resposta mais comum.

Porém, se tal desejo vos habita de uma forma mais ou menos consciente, que essa primeira resposta nunca seja impeditiva de tentarem. O importante é querer iniciar essa caminhada com vontade e sobretudo sem expectativas, sendo certo que ela levará a um certo “auto-conhecimento” e a adquirir um olhar mais conciso e estético sobre o que nos rodeia.

Neste Dia Mundial do Desenhador não me vou alongar, pois iria repetir-me. Creio que o melhor será irem a este post que publiquei no início do Discretamente em 2016 e onde o desenho foi tema. Nele partilho algumas dicas para quem aceita esse desafio, sendo certo que seis anos depois essas palavras continuam actuais e a reflectir o que penso e sinto.

Antes de terminar gostaria ainda de dizer algo sobre a imagem/desenho que inicia este post. Ele simplesmente significa que tudo o que o que abarcamos com o olhar é desenhável, seja grande ou pequeno. Significa ainda que basta uma simples caneta e um caderno para o fazer, não sendo aceitável a desculpa de falta de material adequado.

E por ultimo significa que, nesta aprendizagem, o desenho mais gratificante é o mais simples, ou seja, aquele em que quer a mão quer o olhar conseguiram “perceber” o essencial e transpor isso para o papel.

Tentem e não desistam desta viagem. Ela é para toda a Vida!

Este dia justifica-se porque foi a 15 de Abril de 1452 que nasceu Leonardo da Vinci, talvez o maior desenhador de sempre. Em Portugal também é conhecido como o Dia Mundial da Arte, sendo que no Brasil, por exemplo, é conhecido como o Dia Mundial do Desenhista.

experimentações #29

Uma mudança de século talvez seja a forma mais intensa de sentir que o tempo está a passar pelo mundo e por nós. Nessa perspectiva, a passagem para o séc. XXI teve impacto em mim…abanou-me…levando-me a questionar sobre várias vertentes da Vida.

As respostas foram diversas em função das áreas, mas negativa relativamente à minha vertente criativa, pelo que senti que teria que fazer mudanças.

Sabia que não poderia arranjar “obrigações” e, fosse qual fosse o projecto deveria ser algo com princípio, meio e fim de modo a sentir alguma compensação pelo esforço. Nessa altura, para além das obrigações familiares e do emprego ainda fazia trabalhos extra, sendo o tempo livre quase inexistente. Por tudo isto sabia que necessitaria de muito tempo e muita calma para avançar.

Surgiu-me então a ideia de elaborar um livro, com texto e desenhos, centrado nas férias de 2001 que decorreram entre Portugal e Espanha. Nesse ano eu estava com 43 anos, um número que desde criança sempre apreciei e que se revelou na altura um incentivo a avançar.

Partilho convosco a introdução que escrevi nesse livro:

A melhor viagem é aquela em que nos propomos explorar o nosso interior e as nossas capacidades”

Há momentos em que nos surge a vontade ou necessidade de deixar uma marca, um sublinhado, neste livro que vamos escrevendo momento a momento e que é a nossa vida.

Assim como há palavras e frases que não podem ser esquecidas, há momentos que têm de ficar presentes de uma forma diferente e objectiva. Talvez por isso o desejo de “lhes tocar”, de os materializar, como se a memória só por si não fosse suficiente para os recordar.

43 anos!

Uma idade em que preciso de deixar essa marca!

Talvez porque gosto do número, talvez porque me sinto relativamente em paz comigo, talvez por ambos os factos. Apenas sei que o terei de fazer de uma forma minha, íntima, intimista, como se um filho da minha sensibilidade tivesse que nascer.

Preciso de reencontrar essa sensibilidade, sentir que a tenho. Ela tem andado perdida entre muros de rotina, de trabalho, de falta de disponibilidade e de um tempo que eu não consigo agarrar.

Sinto que estas férias, as férias dos meus 43 anos, são um desses momentos. Porque as férias são um tempo em que a vida e o prazer estão a par e em que tudo se torna diferente: os olhos vêem de outra forma, a ternura é mais doce, a natureza mais verde e bonita e todos os pormenores têm um sentido…o sentido da nossa disponibilidade!

Talvez seja o momento certo.

Vou tentar…

Terminado o livro, decidi que também a encadernação deveria ser caseira, mesmo que básica, pois não tinha sentido colocar uma lombada mecânica ou afins em algo tão pessoal.

O resultado é o que hoje partilho convosco, seja o seu exterior (primeira imagem), sejam algumas páginas do seu interior.

A sua concretização revelou-se importantíssima e um forte incentivo a continuar.

O poema que está ao lado da fotografia desta ultima imagem intitula-se A um Girassol e pertence ao poeta chinês Li Bai (séc. VIII d.C). Está integrado no livro A Religião do Girassol, uma antologia organizada por Jorge Sousa Braga e editada pela Assírio & Alvim em 2000.

arte subterrânea

Os parques de estacionamento subterrâneos são espaços fechados, geralmente escuros, bastante poluídos e cujo interesse é apenas o de permitirem estacionar um carro sem stress nem perda de tempo. O que se paga, é claro.

No âmbito dos muitos existentes na região de Lisboa há um que destaco pela diferença, uma vez que foi o único que nos fez andar a passear no seu interior para ver e fotografar as pinturas que ocupam as suas paredes. Refiro-me ao parque de estacionamento do Centro Comercial Alegro, em Alfragide.

Pelo facto de estar localizado no subsolo, os autores deste projecto focaram-se essencialmente nos organismos que habitam esses níveis da terra, como é o caso dos insectos, gastrópodes, fungos, etc. dando origem a uma curiosa galeria de arte subterrânea que surpreende quem frequenta este estacionamento e que revela pinturas com detalhes muito bem elaborados.

É um trabalho que resultou da criatividade de vários artistas – José Carvalho, Fredy Klit, Kruella D’Enfer, Mosaik, Regg, Tamara Alves e Violante – e foram patrocinadas pela Immochan (actual Ceetrus) em parceria com a Galeria de Arte Urbana.

Pela curiosidade e localização pouco habitual, e porque aprecio muito este tipo de arte, partilho hoje algumas das pinturas presentes nos dois pisos subterrâneos desse estacionamento.


Para além da formiga gigante com que iniciei o post, muitas outras passeiam por ali tranquilamente ou, pelo contrário, irrompem as paredes e encaram-nos de uma forma um tanto ameaçadora.

Caracóis diferenciados rastejam entre cogumelos e outros insectos…

Também há lagartos e lagartas mais ou menos ficcionados e com diferentes humores…

…assim como uma série de outros insectos, como escaravelhos, libélulas, vespas, etc, nem sempre simpáticos ou amigáveis, mas capazes de relembrar que nós, humanos, somos peritos em invadir e a destruir habitats e os espaços a eles reservados.

Mas neste mundo meio subterrâneo, de disputa de territórios e por vezes bastante agressivo, a esperança também está presente numa longa pintura que mostra a transformação da lagarta em borboleta através da evolução da crisálida.

Também a Arte é transformação e, no geral, tem o dom de modificar o banal e o indiferente em algo único e que merece o nosso apreço e atenção.

Na verdade, é sempre isso que penso quando entro neste espaço. Realmente ele vale pela diferença.

experimentações #25

Completam estes desenhos o ultimo post que publiquei desta série, ou seja, um conjunto de experimentações em que prevaleceu a técnica do pontilhismo.

Tal como nos anteriores, também estes revelam a vontade – mesmo que ainda inconsciente – de quebrar com algo, inovar, explorar, expandir… etc. Enfim, qualquer coisa que eu ainda não sabia bem o que era!

(Dulce Delgado, lápis de cor, aguarela e tinta da China sobre papel, 1993)

experimentações #21

Não sei a data exacta das colagens que hoje partilho, mas creio que as posso situar entre 1992 e 1993.
A primeira, construída com a estrutura de uma folha, ao representar algo que se quebra/afasta, relaciono-a com uma separação que então ocorreu na minha vida pessoal; e a segunda, ao juntar colagem e pintura estará, tal como a anterior, na linha de outras realizadas naquele período.

A partir de então deixei naturalmente de fazer colagens, seguindo novos rumos nas minhas experimentações. Mas continuo a considerar que são uma técnica muitíssimo interessante, criativa e com imensas possibilidades.
Talvez um dia ainda volte a elas!  

(Dulce Delgado, esqueleto de folha, papel, aguarela/guache e tinta da China sobre papel, 1992/1993?)